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Experimento com múons é bem-sucedido, mas esclarece pouco – 16/06/2025 – Ciência

A imagem mostra um grande equipamento circular em um laboratório, possivelmente um acelerador de partículas. O dispositivo é composto por uma estrutura metálica azul com várias seções e componentes eletrônicos dispostos em um padrão circular. Há também cabos e outros equipamentos ao fundo, além de uma área de trabalho ao redor do aparelho.

Já se passaram 12 anos desde que físicos transportaram um gigantesco anel magnético pela costa do Atlântico, contornando a Flórida, subindo o rio Mississippi e atravessando duas rodovias interestaduais até Batavia, Illinois, nos Estados Unidos. No dia 3 deste mês, a equipe responsável por esse anel revelou seu resultado final: o valor mais preciso já registrado para a pequena oscilação de uma partícula subatômica chamada múon.

Os físicos esperavam que a medição, submetida ao periódico Physical Review Letters, abrisse uma janela para novos tipos de energia e matéria que, até agora, foram apenas teorizados.

“Queremos saber como nosso Universo se formou, do que é feito e como interage”, disse o físico Peter Winter, do Laboratório Nacional Argonne. Ele é e porta-voz da Colaboração Muon g-2, que conduziu o experimento no Laboratório Nacional Fermi (Fermilab). O novo resultado, segundo ele, “permanecerá como referência por muitos anos”.

Mas um problema evidente permanece. Os físicos previram dois valores distintos para a oscilação do múon, porém não têm certeza de qual está correto.

O novo resultado corresponde a uma previsão. Contudo, até que a outra previsão possa ser satisfatoriamente explicada, os cientistas não saberão se descobriram evidências de uma nova física.

“O experimento do Fermilab é extremamente bem-sucedido, eles fizeram seu trabalho”, disse a física Aida El-Khadra, da Universidade de Illinois Urbana-Champaign, que lidera a Iniciativa Teórica Muon g-2. “Nós, teóricos, ainda precisamos dar continuidade.”

Até que a poeira baixe, acrescentou El-Khadra, “o júri ainda está deliberando”.

Os múons são semelhantes aos elétrons, entretanto muito mais pesados e instáveis na natureza. Quando colocados em um campo magnético, eles oscilam, como um pião girando. A velocidade dessa oscilação depende de uma propriedade do múon relacionada ao seu magnetismo interno, conhecida pelos físicos como g.

Na ausência de partículas próximas, g deveria ser exatamente igual a dois. No entanto, de acordo com a teoria quântica, mesmo o espaço vazio não é verdadeiramente vazio: ele transborda com as chamadas partículas “virtuais” de todos os tipos, que aparecem e desaparecem. Elas persistem tempo suficiente para interagir com o múon, alterando ligeiramente sua oscilação e afastando g de dois.

Winter comparou o efeito à maneira como as folhas de uma árvore se movem com o vento. A força é invisível, mas sua interação com as folhas é previsível, dependendo da força e direção do vento. Medir se as folhas se moveram como esperado, segundo ele, indicaria se seu modelo de vento estava correto.

Os físicos dependem do conjunto de partículas e forças encapsuladas no modelo padrão —sua melhor teoria sobre como o Universo se apresenta e se comporta em escalas subatômicas— para prever quanto g se desvia de dois. Eles chamam esse desvio de g-2 (pronunciado “g menos 2”). Sua intuição, no entanto, é que o modelo padrão está incompleto porque carece de uma explicação para enigmas-chave da física, como a natureza da matéria escura ou por que certas partículas conhecidas como neutrinos podem ter massa.

Se existirem partículas ou forças ainda não descobertas em ação, medir o g-2 ajudará os físicos a encontrá-las, porque seu valor será diferente do que o modelo padrão prevê. Mas calcular uma previsão tem se mostrado difícil. Tradicionalmente, os teóricos têm evitado um cálculo direto. Em vez disso, eles vêm compilando dados relevantes de experimentos de partículas em todo o mundo e trabalhando de trás para frente para alcançar uma previsão teórica para o g-2.

“De certo modo, se você é um teórico como eu, isso é trapacear”, disse El-Khadra, porque evita um cálculo direto a partir da teoria. “Mas é uma abordagem completamente bem fundamentada.”

Enquanto isso, os experimentalistas têm estado ocupados com medições. Na década de 1990, cientistas do Laboratório Nacional de Brookhaven, em Nova York, começaram a operar um ímã de 15 metros de diâmetro em forma de anel. Múons corriam ao redor desse anel, e suas oscilações eram registradas por detectores ao longo de sua borda.

O resultado daquele experimento foi um resultado tentador para g-2 —o desvio de g em relação a dois— que parecia desafiar a previsão teórica. A discrepância entre o que eles mediram e a previsão teórica para g-2 estava em um nível de 3,7 sigma, nas unidades de incerteza usadas pelos físicos. (Uma discrepância de cinco sigma é o padrão geral para reivindicar uma descoberta.)

Doze anos depois, em uma grande façanha logística, os físicos passaram 35 dias transportando lentamente o anel magnético de Brookhaven para o Fermilab, onde uma fonte mais potente de múons permitiria coletar mais dados com maior precisão. Em 2021, os cientistas confirmaram o valor de g-2 inicialmente medido em Brookhaven. A incompatibilidade entre o experimento e a previsão subiu para 4,2 sigma e depois ultrapassou cinco sigma em 2023.

Mas os físicos se abstiveram de reivindicar uma descoberta porque surgiu uma maneira diferente e mais direta de prever g-2 a partir do modelo padrão. O método, que envolve o uso de supercomputadores para simular o Universo como uma grade quadridimensional de pontos espaço-temporais, não depende de nenhum dado. Isso é vantajoso em relação à previsão anterior, que dependia de dados experimentais, alguns dos quais agora são contraditórios.

Comparando a previsão mais recente com o valor g-2 medido com cada vez mais precisão no Fermilab, não há discrepância entre teoria e experimento, sugerindo que não há descoberta alguma.

Os teóricos têm tentado reconciliar suas duas previsões desde então, mesmo enquanto os cientistas do Fermilab avançavam com medições cada vez mais precisas da oscilação do múon. Anunciado ao mundo no dia 3 deste mês, o valor final deles para g-2, calculado a partir de centenas de bilhões de múons observados, é 0,00233184141.

É o mesmo valor medido em Brookhaven há mais de duas décadas, porém com uma precisão muito maior de 127 partes por bilhão. Isso é tão preciso quanto medir o comprimento de um campo de futebol com um erro menor que a largura de um fio de cabelo.

Agora a bola está no campo dos teóricos, disse o físico Marco Incagli, do Instituto Nacional de Física Nuclear na Itália, porta-voz da colaboração do Fermilab.



Fonte ==> Folha SP – TEC

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