Nas aulas de genética da escola, aprendi que um filho é o resultado da mistura de DNA do pai e da mãe. E lá no meio das lições sobre Azinho x Azão, uma semente é plantada dentro daqueles que um dia serão pais e mães. A semente da ideia de que filho é como um novo modelo de iPhone: a junção das melhores características das duas versões anteriores. Parecido com esses dois indivíduos que o criaram, mas também muito melhor do que eles.
Quando minha filha nasceu, seu pai e eu nos sentamos na poltrona da vida e pegamos a pipoca para assistir de camarote aquele bebê se tornar aos poucos a versão melhorada de nós mesmos. Certamente seria atlética, como o pai, e extrovertida, como eu. Acenaria para estranhos na rua, faria amigos pelos playgrounds da cidade, falaria antes de todo mundo tamanha sede de se comunicar.
A queda do precipício da vaidade parental aconteceu em câmera lenta. Stella é mais tímida do que nós, mais quietinha, mais desconfiada, mais cuidadosa. É engraçada, esperta e espontânea, mas odeia ser colocada em qualquer situação em que é obrigada a competir ou performar para os outros.
Quando começou na escola, seu pai e eu debatemos sobre como ela precisava fazer alguma atividade física. Numa reunião com a professora da escola, mencionamos que havíamos pensado em colocá-la na aula de multiesportes: uma hora por semana de algum esporte coletivo. A professora nos olhou com espanto, como se estivéssemos falando algum absurdo e sugeriu: não sei se ela vai gostar muito disso, talvez valha a pena começar com algo mais calmo, que ela vá gostar mais?
A resposta da professora me fez lembrar do celebrado TED Talk do educador britânico Ken Robinson. Nele, Robinson conta a história de uma menina inquieta, que não conseguia se concentrar nas aulas. Preocupada, a mãe levou a filha a um especialista. Após uma longa conversa, o médico pediu para falar com a mãe em particular. Ao saírem da sala, ele ligou o rádio, deixando a menina sozinha ao som de uma música.
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Do lado de fora do consultório, através de uma janela de vidro, os dois viram a menina se levantar e começar a mover seu corpo. “Sua filha não tem nenhum problema”, ele disse à mãe. “Ela é apenas uma dançarina.”
A menina era Gillian Lynne, que mais tarde se tornaria uma bailarina renomada e coreógrafa de alguns dos maiores sucessos da Broadway.
A mãe de Gillian provavelmente não tinha talento para a dança e, por isso, talvez nem tenha cogitado que a filha pudesse ser diferente. Se tivesse se apegado à ideia que tinha de sua filha, talvez passasse a vida sem descobrir sua vocação. Mas a mãe de Gillian não só descobriu o que fazia sua filha feliz, como lhe ofereceu a possibilidade de explorar aquele caminho.
Ontem, lembrei novamente dessa história. Deixei Stella sozinha na sala ouvindo música por alguns minutos. Mais tarde, depois de colocá-la para dormir, encontrei um vídeo novo no meu telefone. Era ela dançando. Séria, confiante, orgulhosa de si e dos movimentos que ela mesma havia criado. Hoje, quando acordamos, vimos o vídeo juntas e lhe perguntei se queria fazer uma aula de dança. “Não!”, ela me respondeu, lembrando esta mãe exibida que a pessoa que sai da gente é por definição outra pessoa, diferente de nós. Que bom. O melhor da jornada da maternidade definitivamente não é se olhar no espelho, mas se surpreender com o novo.
Fonte ==> Folha SP