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Frações egípcias – 10/06/2025 – Marcelo Viana

A imagem apresenta três figuras azuis em forma de oval, cada uma acompanhada de linhas verticais. A primeira figura tem três linhas verticais e está associada à fração 1/3. A segunda figura tem quatro linhas verticais e está associada à fração 1/4. A terceira figura é um arco e está associada à fração 1/10. As frações estão escritas abaixo de cada figura.

O amigo leitor está cuidando do aniversário da filha, uma festinha com oito crianças muito energéticas. Previdente, encomendou quatro pizzas: pareceu-lhe suficiente e ainda fica fácil de dividir pela garotada. Mas o restaurante entregou mais uma, cortesia da casa… Foi bacana, mas com cinco pizzas para oito crianças, a divisão complicou! Claro que dá 5/8 de pizza para cada, mas como gerir isso na prática? Tem que fatiar todas as pizzas em oitavos?

O papiro de Rhind, descoberto em Tebas no século 19, é um dos documentos matemáticos mais antigos e interessantes que conhecemos. Está datado de cerca de 1600 a.C., mas o conteúdo –uma lista de problemas de aritmética e geometria motivados por questões práticas–, é ainda mais antigo: o autor (“escriba Ahmes”) informa que se trata de cópia de um manuscrito remontando a um par de séculos antes.

Nele aprendemos que os egípcios tinham uma abordagem diferente e muito curiosa da noção de fração. Para os gregos, as frações tinham o sentido de proporção: se este segmento tem três unidades de comprimento e aquele tem cinco unidades de comprimento então este é 3/5 daquele. Já para os egípcios, as frações surgem da ideia de equipartição, da necessidade de repartir a unidade em partes iguais.

Por isso, com raras exceções, os egípcios só consideravam frações unitárias, quer dizer, frações cujo numerador é igual a um: na escrita hieroglífica a fração 1/q era representada colocando um símbolo de “boca” acima da representação do número q. As demais quantidades fracionárias eles escreviam como somas de frações unitárias, com a regra adicional de que nessa soma todas as parcelas tinham que ser distintas. Por exemplo, no lugar da nossa fração 6/7 eles escreviam 1/2+1/3+1/42.

Fibonacci mostrou que toda fração p/q pode realmente ser escrita como soma de frações unitárias distintas usando o “algoritmo ganancioso”: encontre a maior fração unitária que cabe em p/q e calcule a diferença entre elas; em seguida, aplique o mesmo procedimento à diferença, repetidamente, até chegar a uma diferença que seja uma fração unitária.

Por exemplo, a maior fração unitária que cabe em 5/7 é 1/2 e a diferença 5/7–1/2 é 3/14. Em seguida, a maior fração unitária que cabe em 3/14 é 1/5 e a diferença 3/14–1/5 é 1/70. Como a fração 1/70 é unitária, o algoritmo para aqui: 5/7 “em egípcio” é 1/2+1/5+1/70.

Ao longo da Idade Média, a abordagem egípcia perdeu espaço para o ponto de vista grego e a representação decimal. Mas ela nunca foi abandonada e, em particular, continua tendo um importante papel na sala de aula. Isso é porque, como me explicou uma colega professora com ampla experiência na educação básica, o primeiro contato da criança com a ideia de fração é repartindo a unidade (uma pizza, um chocolate etc.), ou seja, identificando frações unitárias. Por essa razão, é usual começar o ensino do tema pelas frações unitárias, mais próximas da intuição prática do aluno: as frações gerais p/q aparecem depois, como “contagem” de várias frações unitárias 1/q.

Quanto à questão das pizzas do aniversário, pedimos ajuda ao escriba Ahmes e ele enviou há pouco a seguinte dica para o leitor: “O que você chama 5/8 para mim é 1/2+1/8, que indica que cada criança deve receber meia pizza mais um oitavo de pizza. Portanto, basta cortar quatro pizzas em metades, uma pizza em oitavos, e distribuir a alegria!”



Fonte ==> Folha SP – TEC

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