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Gelo e Gim: ‘O Falcão Maltês’ deixou trilha de drinques – 09/07/2025 – Daniel de Mesquita Benevides

Humphrey Bogart and Mary Astor in O Falcão Maltês (1941)

Em seu primeiro trabalho no cinema, o diretor John Huston foi prático. Usou o livro de Dashiell Hammett, “O Falcão Maltês”, como roteiro, cena a cena, diálogo a diálogo. Por isso, o filme de 1941 é, possivelmente, a mais fiel adaptação de um romance já feita (o roteiro foi indicado ao Oscar).

Uma ou outra cena mais picante teve de ser cortada por causa do Código Hays, que, de 1930 a 1968, nos EUA, censurou partes consideradas imorais (leia-se sexuais) ou ofensivas (leia-se violentas ou contra a Igreja) dos filmes.

Do ponto de vista da mixologia, ficou de fora um trecho do livro em que o detetive Sam Spade (que no longa é Humphrey Bogart) toma um manhattan já pronto, servido direto de uma garrafa. Não para respeitar as regras puritanas, por certo. Se bem que uma delas refere-se a “evitar a representação do uso de drogas ou álcool de forma positiva ou glamourizada.”

O glamour é algo subjetivo. Sam Spade bebe com a cara fechada, quase como se fosse um dever, uma marca do estoicismo cínico de um detetive solitário e durão. Não parece haver prazer naquele copo, mas uma forma de amainar o peso do mundo. Sendo Bogart, o glamour é inevitável. (Ainda que a grande crítica Pauline Kael lembre que o Spade do ator é uma figura romântica no limite da psicopatia).

A parceira de Bogart é Mary Astor, uma atriz bonita, de olhar inteligente, que começou no cinema mudo e levou adiante a voz grave quando surgiu o som. Ela interpreta a femme fatale Brigid O’Shaughnessy, cliente (para lá de ambígua) de Spade e eventual amante.

Há uma cena em que os dois se encontram no apartamento do detetive. Para regar a conversa sobre o sumiço do falcão maltês, estatueta valiosa, Spade serve café e conhaque. Percebendo que ela omite detalhes importantes, diz: “Temos a noite toda. Servirei mais café e conhaque e tentaremos de novo”. Devidamente embriagados, resolvem os detalhes na cama. De porta fechada, claro.

Spade também bebe rum Bacardi, como explicitado no livro, depois de ver o colega de agência assassinado. Não se vê uma cena de crime impunemente —é preciso um drinque. O curioso é que a história, escrita em 1928, se passa no tempo da Lei Seca. Portanto, tudo que é bebido no livro e no filme vem de contrabando ou de produção caseira.

Houston teve de defender as cenas etílicas da censura. Seu argumento foi categórico: sem álcool o filme ficaria descaracterizado. Essa foi a terceira versão cinematográfica do livro de Hammett, uma delas com Bette Davis, que descreveu o resultado como “lixo”. Para fazer “Casablanca“, Ingrid Bergman assistiu “O Falcão Maltês” dezenas de vezes. Era, afinal, o epítome do film noir —e tinha o mesmo Bogart.

Mary Astor teve uma carreira prolífica, ao fim da qual escreveu duas elogiadas e polêmicas (pela franqueza sexual) autobiografias, e cinco romances. Bebedora contumaz, inspirou também um coquetel em 1946, cujo nome é autoexplicativo e algo redundante: Astor painless anaesthetic, ou anestésico indolor de Astor.

ASTOR PAINLESS ANAESTHETIC

  • 45 ml de gim
  • 15 ml de conhaque
  • 15 ml de vermute seco
  • 15 ml de vermute doce
  • 2,5 ml de xarope de açúcar (2:1)
  • Um lance de bitters de laranja

Mexa os ingredientes com gelo e coe para uma taça martíni. Finalize com um zest de limão siciliano.



Fonte ==> Folha SP

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