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Macaca atropelada vira referência genômica de projeto – 27/05/2025 – Ciência

Um macaco está posicionado em um galho de árvore, cercado por folhas verdes. O animal tem pelagem clara e um rosto expressivo, com um olhar curioso. O fundo é composto por uma densa folhagem, criando um ambiente natural e tropical.

Lá estava, em uma estrada amazônica, uma macaquinha-caiarara atropelada. O que poderia ser somente mais uma tragédia associada a abertura de vias na maior floresta tropical do mundo, acabou levando a primata a ser um animal de referência em um projeto de sequenciamento genético.

O GBB (Genômica da Biodiversidade Brasileira) busca fazer o sequenciamento do DNA de espécies ameaçadas de extinção, que tenham potencial bioeconômico ou que sejam exóticas invasoras. Com base nessas informações, a iniciativa pretende auxiliar nas estratégias de conservação das espécies.

Dois anos após seu início, os primeiros resultados foram apresentados nesta terça-feira (27), na sede do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), em Brasília. O projeto, desenvolvido pelo ICMBio e pelo ITV DS (Instituto Tecnológico Vale Desenvolvimento Sustentável), conta com financiamento da mineradora Vale.

Entre os resultados estão 2.249 amostras coletadas e 1.175 sequenciamentos realizados. Recortando só a parte de fauna da iniciativa, foram sequenciados 743 genomas (o conjunto do DNA) de 413 espécies. Desse total, destacam-se 23 genomas que os integrantes do projeto consideram como de referência para as espécies que serão catalogadas, ou seja, foram feitos com um maior nível de detalhe.

“O genoma de referência é como se fosse um ‘mapa genético’ completo de uma espécie, que ajuda a entender melhor como ela vive, se adapta e quais desafios enfrenta, tais como doenças, impactos das mudanças climáticas ou a perda de diversidade genética. Com essas informações, é possível criar estratégias mais eficazes para proteger animais e plantas ameaçados”, diz Amely Branquinho Martins, analista ambiental do ICMBio e coordenadora do projeto pelo instituto.

Um desses casos de sequenciamento de referência é o da macaca-caiarara (Cebus capore) atropelada, cuja espécie é tida como criticamente em perigo de extinção e já fez parte da lista dos 25 primatas mais ameaçados do mundo, feita pela IUCN (International Union for Conservation of Nature and Natural Resources).

Ela sobreviveu ao atropelamento, foi resgatada e levada para um centro de primatas em Ananindeua, no Pará. Posteriormente, foi possível fazer a coleta de sangue do animal para o sequenciamento.

Além de ser um exemplo desses genomas de referência, a macaca demonstra as dificuldades envolvidas no projeto. “É uma espécie difícil de amostrar, difícil, inclusive, de visualizar em campo”, afirma Martins. “Ela [a espécie] não cai em armadilha fácil e as áreas [onde vive] são de difícil acesso.”

Segundo o mais recente “Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção”, nem mesmo é possível saber o tamanho da população de macacos-caiararas existente.

A dificuldade do projeto aumenta ainda mais pela tentativa de se fazer uma genômica populacional de espécies —entre elas de caiararas—, ou seja, conseguir amostras de mais de um indivíduo da mesma espécie para aprofundar o conhecimento sobre distribuição, isolamento e possíveis estratégias de conservação.

Até o momento foram feitos 336 genomas populacionais de 11 espécies, entre os quais o da harpia (Harpia harpyja), vulnerável à extinção.

A ave saíra-apunhalada (Nemosia rourei) é outra criticamente em perigo e dificílima de se ver na natureza, quiçá coletar material. As estimativas recentes apontam para menos de 50 indivíduos maduros. Segundo Guilherme Oliveira, diretor-científico do ITV DS, o projeto conseguiu a coleta nesse caso graças a uma ONG que monitora a ave.

Os coordenadores do GBB ressaltam o trabalho em rede necessário para fazer o projeto caminhar. Segundo dados da iniciativa, 107 instituições nacionais e internacionais colaboraram até o momento.

Há ainda outras dificuldades, como bichos pequenos demais para a extração de material genético e com risco de morrer no processo. É o caso da perereca-de-bromélia (Xenohyla truncata), em perigo de extinção.

Até o final do projeto, pretende-se alcançar pelo menos 80 genomas de referência e mil populacionais.



Por exemplo, você pode coletar água de um rio para acessar a diversidade de espécies que estão naquele ambiente. Mas, para fazer isso, você precisa de referências genéticas das espécies que ocorrem ali

Para ter acesso aos materiais genéticos pretendidos, o GBB vai atrás de animais em cativeiro, em bioparques, que podem estar feridos sob os cuidados do próprio ICMBio ou que possuem amostras depositadas em biobancos brasileiros.

Em relação à bioeconomia, Oliveira diz que o país tem poucas informações genéticas sobre as espécies da nossa biodiversidade que são usadas. “Por exemplo, pescados. Quanto se pode pescar de uma espécie de peixe sem depletar a diversidade genética dessa espécie? O mundo inteiro não pode comer pirarucu como se come frango. Então, quanto que se pode pescar? Qual é o valor desse peixe? A gente agora pode ser muito mais assertivo quanto a isso e olhando para a manutenção das populações no ambiente e valorizando o trabalho.”

DNA ambiental

Além das amostras de espécimes, o projeto trabalha com o chamado DNA ambiental. Nesse tipo de análise, os pesquisadores buscam, a partir de coletas no ambiente, identificar as espécies que estão presentes naquela região.

“Por exemplo, você pode coletar água de um rio para acessar a diversidade de espécies que estão naquele ambiente. Mas, para fazer isso, você precisa de referências genéticas das espécies que ocorrem ali”, afirma Oliveira. Dessa forma, o projeto, em parte, busca exatamente a construção dessas referências.

O pesquisador diz que um banco de referências com alta resolução e o DNA ambiental podem, eventualmente, vir a ser usados como ferramentas de monitoramento e até mesmo para emissão de créditos de biodiversidade (em algo semelhante ao que se passa com os créditos de carbono).

Para o DNA ambiental, as coletas feitas são de água, solo, plantas e insetos. Martins participou do primeiro projeto dentro do GBB sobre o assunto, com uma expedição para a Floresta Nacional do Tapajós para coleta. Foram mais de 200 amostras coletadas.

Voltando à macaca-caiarara atropelada, hoje ela está bem, apesar de ter um problema na perna. A esperança para a macaquinha, segundo Martins, é que ela, além de ter se tornado uma referência genômica da espécie, seja uma das fundadoras de um programa de manejo cativeiro para reprodução futura.



Fonte ==> Folha SP – TEC

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