Uma das mais antigas construções de larga escala feitas pela civilização maia combina habilidade técnica e estruturas simbólicas com uma aparente ausência de hierarquias sociais claras, segundo um novo estudo. Por volta do ano 1000 a.C., esses primeiros maias teriam organizado a construção de grandes plataformas, rampas e canais sem que chefes despóticos precisassem impor sua autoridade à população.
As conclusões vêm da análise do sítio arqueológico de Aguada Fénix, perto da fronteira do México com a Guatemala. A equipe liderada por Takeshi Inomata, da Escola de Antropologia da Universidade do Arizona (Estados Unidos), publicou suas descobertas em artigo no periódico Science Advances no último dia 5.
As escavações indicam que Aguada Fénix começou a ser ocupada por volta de 1200 a.C., e que construções de grande porte na região teriam se iniciado em 1050 a.C., sendo mantidas até o aparente abandono do sítio cerca de 300 anos mais tarde.
Até relativamente pouco tempo atrás, acreditava-se que esse período, classificado como “Pré-clássico Médio” na cronologia da civilização maia, tinha se caracterizado por assentamentos de porte modesto, sem construções monumentais, mas novos achados arqueológicos têm alterado essa visão.
Para desvendar o que estava acontecendo na região 3.000 anos atrás, Inomata e seus colegas combinaram as tradicionais escavações com o uso do Lidar, uma tecnologia que pode ser comparada ao radar, mas que emprega pulsos de laser, em geral emitidos a partir de aviões, helicópteros ou drones.
Grosso modo, o Lidar produz feixes de luz que “batem e voltam” no solo, o que permite mapear detalhes do relevo que podem até estar completamente ocultos pela vegetação em imagens convencionais. Trata-se de uma abordagem muito útil em antigos assentamentos hoje encobertos pela floresta tropical densa, como é o caso do território maia ou mesmo o da Amazônia.
No sítio do sudeste do México, os pesquisadores identificaram uma série de estruturas no chamado Grande Platô. Trata-se de uma plataforma artificial, feita com argila e sedimentos sobre uma base natural de calcário, medindo 1.400 m por 400 m e chegando a 15 m de altura. O formato geral da estrutura lembra o de uma cruz, e ela parece estar alinhada com a posição do nascer do Sol nos dias 24 de fevereiro e 17 de outubro, intervalo de tempo que se encaixa no ritmo do calendário maia.
O Grande Platô é cortado, em ambos os lados, por uma sequência de rampas e “corredores” abaixo do nível do solo. Em volta da estrutura, há ainda diversos canais que podiam transportar água de um lago das vizinhanças, conhecido hoje como laguna Naranjito. Os antigos habitantes também represavam parcialmente a água do lago, aparentemente regulando seu nível em determinadas épocas do ano. Os canais chegavam a ter cinco metros de profundidade e 35 metros de largura.
O mais curioso é que não há sinal de amplas áreas com moradias permanentes nem da construção de palácios no entorno, o que sugere que não havia uma elite estabelecida em Aguada Fénix, e que provavelmente as transformações na paisagem do lugar foram feitas de forma cooperativa, com objetivos rituais.
E o indício mais intrigante disso vem de estruturas rituais menores localizadas praticamente no centro do Grande Platô. Há nelas, de novo, um forte indício de simbolismo por causa do formato cruciforme: são duas covas em cruz, uma dentro da outra –a maior com “braços” de mais de cinco metros de comprimento, a segunda (e mais funda) com cerca de metade desse tamanho.
No centro dessa cruz menor, num arranjo geométrico que corresponde aos pontos cardeais, os construtores depositaram, de forma precisa, diferentes pigmentos de origem mineral (azul para o norte, verde para o leste etc.). É uma prática que antecipa o uso de uma espécie de “código” de cores para os pontos cardeais que se consolida nas culturas da região séculos mais tarde, embora as colorações usadas em Aguada Fénix não sejam as mesmas que se tornariam “canônicas” depois.
Por fim, provavelmente décadas ou mesmo séculos depois que as covas em forma de cruz foram ritualmente cobertas por seus construtores, o local continuou a ser usado para cerimônias. Por cima dos buracos, os pesquisadores encontraram também oferendas feitas com jade, pedra verde muito apreciada pelos povos da região. São pequenas estatuetas muito estilizadas, representando coisas como um crocodilo, uma ave e talvez uma mulher dando à luz.
Essa atenção detalhada aos aspectos rituais do local indica, para os pesquisadores, que a construção do sítio pode ter sido coordenada justamente por especialistas que tinham conhecimento astronômico, algo que seria cada vez mais importante para a sociedade maia.
Fonte ==> Folha SP – TEC