Sobre a série “Adolescência” (Netflix), tenho acompanhado a comoção que tem assolado as redes de comunicação a respeito dessa população tão pouco valorizada em nossa sociedade: os adolescentes.
Frequentemente tratados como enfermos temporários, desajustados, dizemos brincando: “O bom é que a adolescência passa”. Passa sem que olhemos para eles. Nesse abandono, precisam fazer um tal estardalhaço para serem vistos e atendidos; precisam ultrapassar todos os limites para que finalmente alguém lhes dê limites. Sabem que devem agir escondidos, trancados em seus quartos, utilizando códigos secretos, mentindo, e nós acreditamos que está tudo bem.
Mentem para se proteger de um sistema que os oprime. Um sistema que, justamente entre os 13 e 17 anos, aponta para o Enem e outros exames vestibulares. A escola aperta, a informação é empurrada “garganta abaixo”, um verdadeiro rolo compressor de conteúdos sem significado algum para a vida imediata desses jovens que, por dentro, estão em carne viva. Em carne viva em relação à sexualidade, à própria identidade, com níveis altíssimos de angústia, tanto hormonais quanto existenciais.
Um momento de vida absolutamente filosófico, no qual são tratados como números, quando o que mais querem é ser únicos e diferentes de nós. Para falar com adolescentes é preciso estofo. É preciso ter coerência entre o que dizemos e fazemos. Eles são capazes de detectar nossas “mentiras” nos mínimos detalhes.
É preciso sair do discurso pedagógico do certo e errado e recuperar valores humanos que incluam as imperfeições, as dúvidas, as raivas, os medos e até a maldade que nos habita. É preciso se embolar com eles nas questões, ouvi-los, mergulhar em seus questionamentos. Em seguida, recuperar com firmeza o papel de adulto, de mãe, pai, educador. Colocar limites e sustentá-los de perto, com presença e proximidade.
Não se trata de mandar fazer, mas fazer e pensar juntos sobre as coisas. É preciso que o adulto mude minimamente sua rotina de trabalho e vida social para acompanhar um filho adolescente. Controlar as redes e discutir conteúdos é fundamental. Existem aplicativos que permitem o rastreamento das atividades no celular e no computador —e isso não é invasão de privacidade, é cuidado. Tempo, afeto, comprometimento, paciência e persistência são esperados dos pais e educadores nesse momento.
O estrago está feito. A internet ocupou o espaço da intimidade, da realização pessoal, dos desejos e da imaginação deles durante o tempo em que os adultos estavam adormecidos ou muito atarefados, achando que as telas não faziam mal, achando que bullying sempre existiu e que eles iriam se virar. Errou feio quem pensou assim.
Nesse sentido a série “Adolescência” tem tido um papel importantíssimo, “desenhando na lousa” dos adultos aquilo que não foi percebido a tempo. Espero que a reflexão dure mais do que a comoção nacional e internacional a respeito do tema.
Em São Paulo, acompanhamos notícias de acontecimentos terríveis em escolas particulares e públicas. No Ceará, estado onde o sistema publico educacional é referência, uma pesquisa recente sobre a evasão escolar indica o bullying como uma das principais causas desse fenômeno. Meninas são tão ativas nessa prática quanto meninos. Ninguém é “bonzinho”. A psicologia estuda os efeitos dos comportamentos coletivos (“folie à deux”, ou melhor, “à plusieres”). Aquilo que um indivíduo não é capaz de fazer sozinho, em grupo cria coragem.
A internet potencializou aos milhões o comportamento coletivo. Agora nos resta a humildade de saber que todos nós erramos, arregaçar as mangas e recuperar o tempo perdido com muito afeto, comprometimento, paciência e persistência.
TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
Fonte ==> Folha SP