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Meteoríticas: Pesquisadoras caçam meteoritos Brasil afora – 04/09/2025 – Ciência

Três pessoas estão sentadas em uma rocha, olhando para o céu. A mulher do meio usa um chapéu e parece estar contemplando algo. As outras duas mulheres estão em posições diferentes, uma com óculos escuros e a outra com uma camisa clara. Ao fundo, há uma paisagem montanhosa coberta de vegetação e um céu com nuvens.

Em vilarejos e casas com telhados de cerâmica espalhados pela vasta extensão do interior do Brasil, rumores circulam: histórias de luzes no céu, preços sussurrados em conversas de WhatsApp e colecionadores chegando de terras distantes.

Desde que um meteorito caiu perto de sua casa há três anos, Adriano Gomes, um pastor cristão evangélico que vive na pequena e rural Jacilândia, no estado de Goiás, recentemente se viu no centro de uma crescente curiosidade pública.

“Veio fazendo barulho como um avião”, disse Gomes. “Eu tinha medo até de tocar nele, sem saber o que era.”

Gomes sabia que o meteorito era valioso. Todos haviam lhe dito isso —os caçadores que bateram à sua porta, os fóruns online fervilhando com especulações, até mesmo um colecionador de São Paulo que lhe ofereceu dinheiro.

Em maio, ele recebeu a visita de Elizabeth Zucolotto e Elisa Rocha, ambas geólogas e membros de as Meteoríticas, uma equipe totalmente feminina de cientistas dedicadas a preservar e expandir a coleção nacional de meteoritos do Brasil.

O grupo, cujos membros principais também incluem Amanda Tosi, uma astroquímica, e Diana Paula Andrade, uma astrônoma, viaja para regiões remotas para recuperar rochas espaciais caídas e educar comunidades sobre sua importância científica.

Durante um café, Zucolotto e Rocha examinaram o meteorito rochoso, que é um pouco maior que uma bola de tênis e pesa cerca de 170 gramas. As duas geólogas disseram que é um condrito composto de poeira cósmica e pequenas gotículas fundidas. Essas formações estão entre os materiais sólidos mais antigos do Sistema Solar.

Zucolotto e Rocha disseram que, antes do encontro, estavam aliviadas por terem encontrado o meteorito, mas apreensivas pensando se Gomes se separaria dele por um preço que elas poderiam pagar.

“Não estamos tentando tirar nada de você”, disse Zucolotto. “Estamos tentando mantê-lo aqui —no Brasil, em Goiás— para a ciência, para todos que precisam dele para pesquisa.”

Nos últimos anos, os meteoritos acenderam um conflito silencioso no Brasil. Cientistas buscam estudá-los, colecionadores esperam comprá-los e os moradores, frequentemente rurais, estão no meio disso tudo.

Zucolotto, como curadora da principal coleção de meteoritos do Brasil no Museu Nacional do Rio de Janeiro, disse que havia um valor científico significativo nos meteoritos para nações como o Brasil, onde os recursos para pesquisa espacial permanecem limitados.

“É como ir à lua, a Marte ou além sem precisar gastar bilhões”, disse ela.

Diferentemente dos EUA, que regulamenta a propriedade e coleta de meteoritos, o Brasil carece de leis claras. Descobertas em terrenos privados pertencem por padrão aos proprietários, mas terrenos públicos permanecem uma área cinzenta onde colecionadores e compradores estrangeiros frequentemente podem oferecer mais que os cientistas por esses tesouros cósmicos.

O debate sobre a propriedade de meteoritos no Brasil reacendeu em agosto de 2020. Mais de 80 quilos de meteoritos caíram do céu sobre Santa Filomena no estado de Pernambuco, desencadeando uma corrida do ouro por rochas espaciais.

Um deles era um condrito de 38 quilos. Estimou-se que o espécime antigo se formou há 4,56 bilhões de anos e continha minerais raros como troilita. Os moradores rapidamente recolheram fragmentos que alguns venderam por milhares de dólares, causando um frenesi que atraiu colecionadores de todo o mundo. Cientistas no país soaram o alarme sobre a perda de material crucial para pesquisa.

Zucolotto e Tosi voaram do Rio de Janeiro, a mais de 1.600 quilômetros de distância. Elas conheceram um dono de bar local que apresentou outro espécime, um condrito raro que era preto com sulcos cônicos e estrias laranja-queimado. A pedra havia atravessado seu telhado dias antes.

“A maioria dos condritos parece igual — pretos, sem brilho, nada especial”, disse Tosi. Mas as características deste, disse ela, o tornavam “uma obra-prima”.

Então a corrida se intensificou. Especuladores estrangeiros começaram a chegar, oferecendo dinheiro e comprando agressivamente. Carros com placas de outros estados brasileiros chegavam. Grupos de homens —estranhos ao interior— batiam às portas para atrair famílias com preços que muitos nunca haviam imaginado.

Um colecionador dos Estados Unidos comprou a prima do dono do bar. Após negociações que incluíram o diretor do Museu Nacional do Rio, chegou-se a um acordo para transferir a pedra para o museu, mas apenas se as Meteoríticas reembolsassem o comprador em cerca de R$16.000.

As cientistas se apressaram. Zucolotto ligou para seu filho no Rio e pediu que ele voasse com dinheiro. Ela e Tosi então correram por estradas secundárias, parando em uma agência bancária após outra para sacar o restante.

No final, elas conseguiram garantir o dinheiro e adquirir o meteorito, que agora está em exibição no Rio, com fragmentos menores armazenados para estudo na Universidade Federal de Goiás.

Após a correria em Santa Filomena, Rodrigo Vesule, um pesquisador de direito espacial, e as Meteoríticas iniciaram uma campanha para evitar novas perdas do patrimônio científico do Brasil. Trabalhando com a Sociedade Brasileira de Geologia, Vesule está pressionando por uma legislação que classificaria meteoritos como bens científicos nacionais —regulamentando, mas não proibindo, seu comércio.

Sua proposta se baseia em leis de mineração, políticas de museus e tratados espaciais internacionais para elaborar regras aplicáveis e equilibradas.

“Não se trata de confisco”, disse Vesule, “mas de criar segurança jurídica e promover uma gestão responsável.”

Nem todos estão convencidos. Colecionadores, incluindo André Moutinho, temem que a lei possa ter o efeito de criminalizar atividades passadas conduzidas de boa-fé. Um engenheiro de TI e astrônomo amador baseado em São Paulo, Moutinho acompanhou todos os principais eventos recentes de meteoritos no Brasil. Como muitos colecionadores, ele tem observado a legislação em desenvolvimento com inquietação.

“Se não reconhecermos o papel que os colecionadores desempenharam na descoberta, documentação e preservação desses meteoritos, corremos o risco de alienar toda uma comunidade”, disse ele. “Provavelmente sou o maior colecionador do Brasil, e não sinto que minha voz foi ouvida.”

De volta a Jacilândia, Zucolotto e Rocha chegaram ao fim das negociações com Gomes sobre o meteorito que caiu perto de sua casa três anos antes.

Zucolotto descreveu a jornada épica da pedra —suas origens antigas, sua raridade científica e seu valor que, em sua visão, excede qualquer etiqueta de preço.

“Acho que pertence a vocês”, disse Gomes. “Se puderem igualar a última oferta que recebi.”

As geólogas juntaram o preço acordado —o equivalente a pouco mais de R$ 4.500— e partiram com a pedra caída, aliviadas.



Fonte ==> Folha SP – TEC

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