A escola em ruínas, com telhado de zinco, fica em meio a plantações de coca, o ingrediente básico da cocaína, na pequena San Juan de Micayno sudoeste da Colômbia.
Acessível por uma estrada de terra que serpenteia por desfiladeiros traiçoeiros nas montanhas, a cidade está localizada no Cânion do Micayum polo do tráfico de drogas que é palco frequente de combates entre o exército e o Estado-Maior Central, uma facção de rebeldes de esquerda que rejeita o acordo de paz de 2016.
“Este lugar foi abandonado pelo Estado. O governo nunca nos traz nada”, diz a líder comunitária Fernanda Riverasentada em uma das cadeiras da escola.
A cidade carece de água encanada, tratamento de esgoto e vias pavimentadas; e o fornecimento de energia é intermitente. Segundo ela, os rebeldes funcionam como governo de fato, impondo um toque de recolher às 21h e mediando conflitos entre vizinhos.
Não era para ser assim. O presidente esquerdista Gustavo Petro assumiu em 2022 prometendo firmar acordos com grupos rebeldes dissidentes – resistentes teimosos do histórico pacto de 2016 que trouxe paz a parte da Colômbia após décadas de conflitos.
No ano passado, com poucos progressos concretos em novos acordos de paz, ele adotou uma nova estratégia, prometendo que as regiões ainda controladas por esses grupos, muitas dominadas pelo cultivo de coca, seriam pacificadas por meio de uma intervenção social e militar.
O Cânion do Micay seria a ponta de lança, recebendo um aumento da presença militar e US$ 30 milhões para escolas, hospitais, moradias, estradas e internet.
O governo também planejava pagar aos agricultores para erradicar suas plantações de coca e plantar em seu lugar café, cacau, feijão e frutas. Mas moradores da região que conversaram com a Reuters disseram que os militares estão tendo dificuldades para desalojar os rebeldes e que os recursos prometidos ainda não chegaram.
Soldados e policiais têm sido atacados pelos rebeldes e mantidos reféns repetidamente – inclusive neste mês – por moradores que, segundo o governo são pressionados pelas guerrilhas. Grandes plantações de coca continuam sendo cultivadas.
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O gabinete de Petro encaminhou um pedido de comentários da Reuters ao Departamento de Prosperidade Social, que reconheceu que as forças armadas ainda não consolidaram seu controle sobre o território. O Ministério da Defesa disse que o uso pelo Estado-Maior Central de pequenas unidades para lançar ataques rápidos vem atrasando os investimentos sociais.
Os projetos dependem de aprovação por um árduo processo de planejamento público, num momento em que a Colômbia enfrenta uma crise fiscal e um déficit nacional crescente. O fracasso até agora na estratégia do governo coloca em risco recursos cruciais de combate às drogas provenientes dos Estados Unidos.
O presidente Donald Trump já ameaçou “descertificar” – possivelmente ainda este mês – os esforços de Petro no controle às drogas, considerando-os ineficazes, e o deputado republicano Mario Diaz-Balart propôs um corte de 50% na ajuda não militar, para US$ 209 milhõesdevido à incapacidade de Petro de “utilizar de forma eficaz a assistência dos EUA para avançar em objetivos comuns”.
Um porta-voz do Departamento de Estado dos EUA disse que não há nada a antecipar sobre a decisão de Trump.
O embaixador da Colômbia nos EUA, Daniel Garcia-Penadisse a jornalistas esta semana que os recursos dos EUA já foram afetados pelo desmantelamento da USAID e que os americanos poderão optar por cortar US$ 100 milhões de programas não voltados ao combate ao tráfico de drogas, caso Trump decida descertificar a Colômbia.
“Isso prejudicaria nossos esforços. Prejudicaria os EUA”, disse Garcia-Pena. “Só beneficiaria as organizações criminosas transnacionais.”
A intervenção hesitante também poderá fortalecer a oposição de direita antes das eleições presidenciais do ano que vem, reforçando argumentos a favor de uma repressão mais dura aos rebeldes.
Apesar das dificuldades, Petro disse que a operação continuará e exortou o exército a manter firme a sua presença, e os moradores a pararem de cultivar coca.
O ministro da Defesa, Pedro Sanchezdisse à Reuters em uma entrevista, que as forças armadas assumiram o controle de mais da metade dos 4.200 quilômetros quadrados do Cânion.
A operação é 70% sobre investimentos para garantir o desenvolvimento e o bem-estar nas comunidades da região, e 30% sobre intervenção militar, disse ele, acrescentando que conquistar a confiança da população é fundamental. “Se não conquistarmos a população, não venceremos essa operação”, disse Sanchez.
Tomar a maior cidade do Cânion, A pratafoi como “entrar na Wall Street das economias ilícitas”, disse o comandante que está deixando a terceira divisão do exército, o general Federico Mejia, alegando que emissários dos principais cartéis costumavam se reunir na região para negociar carregamentos de drogas.
Mejia disse que o avanço das tropas tem sido lento porque a área está “infestada” de minas terrestres e há risco de ataques com drones.
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Sobrevoos de helicópteros militares são frequentes no Cânion, mas uma equipe da Reuters não passou por nenhum posto de controle do exército ou da polícia ao visitar a região em agosto. Havia, no entanto, postos de controle ocupados por membros fortemente armados do Estado-Maior Central.
Soldados do exército, que chegaram à cidade com tanques blindados e apoio aéreo, ocuparam dois locais em El Plateado, mas não patrulham as ruas.
Um comandante do Estado-Maior Central que falou com a Reuters sob a condição de permanecer no anonimato, disse que a presença militar obrigou o grupo a se dividir em pequenas unidades, mas acrescentou que os rebeldes mantêm o controle da área e não foram enfraquecidos.
Moradores afirmam que mudanças são improváveis enquanto os investimentos não se concretizarem. Em San Juan de Micay, a clínica de saúde e sua ambulância foram financiadas por pequenas doações da própria comunidade empobrecida, e não com recursos do governo.
“É por causa do abandono do Estado que surge a necessidade de plantar essas culturas”, diz o líder comunitário Edward Rubiano, em referência ao cultivo de coca. “Não houve nenhum tipo de investimento social.”
A Reuters visitou uma plantação de coca na região, onde os agricultores afirmaram ter cerca de três hectares do arbusto de folhas verdes que podem gerar US$ 10.000 por trimestre, muitas vezes mais do que as culturas legais rendem.
“Não há nenhuma cultura que supere os ganhos da coca”, diz um agricultor enquanto supervisiona a colheita.
Para a líder comunitária Rivera, a iniciativa de Petro é a mais recente de uma longa série de “decepções totais”. “Antes, pensávamos que talvez Petro tivesse uma saída, mas não foi assim. Cometemos outro erro”, afirma ela.
Fonte ==> Exame