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Nelson Gonçalves cantou um ‘oceano de bebidas’ – 25/06/2025 – Daniel de Mesquita Benevides

Nelson Gonçalves cantou um 'oceano de bebidas' - 25/06/2025 - Daniel de Mesquita Benevides

O bar Gambrinus, na zona portuária do Recife, estava cheio. Um marinheiro americano, louco de paixão, decidiu tocar “Maria Bethânia”, canção de Capiba, dezenas de vezes consecutivas. A voz viril de Nelson Gonçalves, repetida à exaustão na mesma melodia e letra, irritou os demais, que surraram o marinheiro e quebraram a pobre eletrola.

Nelson Gonçalves, segundo maior vendedor de discos no país, atrás apenas de Roberto Carlos, era muito querido, mas não a esse custo. A beleza triste da canção havia quebrado o ritmo das risadas ébrias no bar. Em outra parte, Caetano Veloso, que adorava a música, insistiu para que sua mãe batizasse a irmã de Maria Bethânia.

Alheio a tudo isso, o cantor Gonçalves sofreu o diabo antes de ser gravado. Foi recusado inúmeras vezes em rádios, shows de calouros e gravadoras. Ary Barroso disse a ele para voltar a ser garçom e pugilista, que era melhor –Nelson havia sido campeão paulista com as luvas de boxe. A gagueira, que lhe rendeu muito bullying na escola e o apelido de Metralha, não ajudava.

Enquanto a fama não sorria, cantava fados com o pai, imigrante português, que por sua vez tocava violino. Cantava também no bar do irmão, onde era garçom. Foi ainda pedreiro e faz-tudo. Até que, em 1941, aos 22 anos, entrou em estúdio para registrar seu primeiro 78 rotações. O sucesso veio rápido.

Sua interpretação encorpada e sentimental servia a muitas canções de fossa, as quais vinham afogadas em bebida. O bar, a taverna, o cabaré eram os cenários naturais, redutos gregos de tragédias minúsculas. “Um quebra-luz, um som qualquer/ No ar, perfume de mulher/ No salão gira a lembrança/ Ilusão, bebida e dança”. Adiante, “o garçom enche a taça/ solidão, cinza e fumaça.” O tango “Cabaré (piano bar)”, com letra de Paulo César Pinheiro, dava o tom.

A solidão, personagem frequente, persistia em torturar no samba-canção “Indulto”, de Adelino Moreira, que viaja por um “oceano de bebidas”. Ali, “qualquer taverna é um lar” e “qualquer bebida serve para esquecer/ um amor que se foi ao alvorecer.”

O barco da tristeza navega de novo num mar etílico em “Hoje quem paga sou eu”, de Herivelto Martins e David Nasser. É outro tango —este, com certo humor. “Sou apenas uma sombra que mergulha/ no oceano de bebida, o seu passado/ faço parte dessa estranha confraria/ do vermuth (sic), do conhaque e do traçado”.

Em entrevista à Folha, o crooner disse que não bebia, o que, claro, não era verdade. Se Nelson mentia nesse quesito, admitia estranhamente o consumo de cocaína, a qual chamava de “tóxico”, que lhe rendeu um mês na cadeia e alguns anos de exílio das ondas do rádio.

Voltou, em triunfo. Quantos cantaram, batendo no peito, “boemia, aqui me tens de regresso”? “A volta do boêmio”, de Adelino Moreira, maior sucesso de Nelson Gonçalves, é uma pequena odisseia com sinal trocado, de quem sai do lar para retornar à esbórnia de aventuras alcoólicas.

Herdeiro de Orlando Silva e Francisco Alves, Nelson Gonçalves faz pensar em um de seus refrões memoráveis: “Naquela mesa tá faltando ele.”


MARIA MOLE

  • 45 ml de conhaque
  • 15 ml de Martini Bianco

Mexa os ingredientes com gelo e coe para um copo de bar sem gelo. Finalize com um twist de laranja.



Fonte ==> Folha SP

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