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Nobéis assinam carta em defesa da liberdade acadêmica – 13/06/2025 – Ciência

A imagem mostra um grupo de pessoas participando de um protesto. Um homem de cabelo grisalho e barba, vestindo uma camiseta preta, segura um cartaz que diz

Mais de 400 pessoas de dezenas de nacionalidades assinam uma carta aberta em defesa das instituições democráticas, da liberdade acadêmica, da cultura e da ciência. Sua divulgação, nesta sexta-feira (13), ocorre cem após a “Carta dos intelectuais antifascistas”, publicada na Itália.

Entre os signatários, de 37 países, estão principalmente acadêmicos, além de escritores, jornalistas e médicos. Destes, 31 são vencedores do Nobel, a exemplo de Gary Ruvkun e Victor Ambros (ambos laureados em Fisiologia e Medicina em 2024), May-Britt Moser e Edvard I. Moser (Fisiologia e Medicina, 2014), Pierre Agostini (Física, 2023), Takaaki Kajita (Física, 2015), Joachim Frank (Química, 2017) e Jean-Pierre Sauvage (Química, 2016).

Do Brasil, assinam a carta o climatologista Carlos Nobre, a professora Daniela Campello (FGV), a professora Lena Lavinas (Universidade Federal do Rio de Janeiro), o professor Luiz Eduardo Soares (Universidade Federal do Rio de Janeiro), o jornalista Marcelo Coelho, a professora Maria Hermínia Tavares (USP) —colunista da Folha— e o professor Paulo Artaxo (USP).

Na carta, é dito que a ameaça do fascismo está de volta, com a ascensão nas últimas décadas da extrema direita. Esses movimentos, de acordo com o texto, guardam traços que remetem ao regime de Benito Mussolini. Os representantes dessa grupo atacam a independência da Justiça, da imprensa e das instituições de cultura, educação e ciência.

Confira a carta na íntegra.

Cem anos depois: uma nova carta aberta contra o retorno do fascismo

Em 1º de maio de 1925, com Mussolini já no poder, um grupo de intelectuais italianos denunciou publicamente o regime fascista por meio de uma carta aberta. Os signatários —cientistas, filósofos, escritores e artistas— posicionaram-se em defesa dos princípios fundamentais de uma sociedade livre: o Estado de Direito, a liberdade individual e a independência de pensamento, da cultura, da arte e da ciência. Este desafio aberto à brutal imposição da ideologia fascista —com todos os riscos que isso comportava— provou que resistir não era apenas possível, mas necessário. Hoje, cem anos depois, a ameaça do fascismo está de volta —e é nosso dever reunir essa coragem para a enfrentar novamente.

O fascismo surgiu em Itália há um século, marcando o início da ditadura moderna. Em poucos anos, espalhou-se pela Europa e pelo mundo, assumindo nomes diferentes, mas mantendo formas semelhantes. Onde quer que tenha tomado o poder, destruiu a separação entre os Poderes ao serviço da autocracia, silenciou a oposição por meio da violência, controlou a imprensa, interrompeu o avanço dos direitos das mulheres e esmagou as lutas dos trabalhadores por justiça econômica. Inevitavelmente, infiltrou e distorceu todas as instituições dedicadas a atividades científicas, acadêmicas e culturais. O seu culto à morte exaltou a agressão imperialista e o racismo genocida, desencadeando a Segunda Guerra Mundial, o Holocausto, a morte de dezenas de milhões de pessoas e crimes contra a humanidade.

Ao mesmo tempo, a resistência ao fascismo e às diversas ideologias fascistas tornou-se um terreno fértil para imaginar formas alternativas de organizar as sociedades e as relações internacionais. O mundo que emergiu da Segunda Guerra Mundial —com a Carta das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, os fundamentos teóricos da União Europeia e os argumentos jurídicos contra o colonialismo— permaneceu marcado por profundas desigualdades. Ainda assim, representou uma tentativa decisiva de estabelecer uma ordem jurídica internacional: uma aspiração por democracia e paz globais, fundamentadas na proteção dos direitos humanos universais —não apenas civis e políticos, mas também econômicos, sociais e culturais.

O fascismo nunca desapareceu, mas por um tempo foi contido. No entanto, nas últimas duas décadas, assistimos a uma nova onda de movimentos de extrema direita, com frequentes traços fascistas inconfundíveis: ataques às normas e instituições democráticas, nacionalismo revigorado com retórica racista, impulsos autoritários e agressões sistemáticas contra os direitos daqueles que não se encaixam numa autoridade tradicional fabricada, baseada na normatividade religiosa, sexual e de gênero.

Esses movimentos ressurgiram em todo o mundo, nomeadamente em democracias consolidadas, onde a insatisfação generalizada com o fracasso político em enfrentar as crescentes desigualdades e a exclusão social foi mais uma vez explorada por novas figuras autoritárias.

Fiéis à velha retórica fascista, sob o disfarce de um mandato popular ilimitado, essas figuras minam o Estado de Direito nacional e internacional, atacam a independência do poder judicial, da imprensa, das instituições culturais, de educação superior e de ciência —chegando até a tentar destruir dados essenciais e informações científicas. Fabricam “fatos alternativos” e inventam “inimigos internos”; usam as preocupações com a segurança como arma para consolidar a sua autoridade e a da elite ultraprivilegiada, oferecendo privilégios em troca de lealdades.

Esse processo está agora em aceleração, à medida que a divergência é cada vez mais reprimida por meio de detenções arbitrárias, deportações, ameaças de violência, e uma campanha incessante de desinformação e propaganda, conduzida com o apoio de barões dos média tradicionais e das redes sociais —alguns apenas complacentes, outros declaradamente entusiastas do tecnofascismo.

As democracias não são perfeitas: são vulneráveis à desinformação e não são ainda suficientemente inclusivas. No entanto, oferecem intrinsecamente um terreno fértil para o progresso intelectual e cultural, e por isso um potencial contínuo de melhoramento.

Nas sociedades democráticas, os direitos e liberdades humanas podem expandir-se, as artes florescem, as descobertas científicas prosperam e o conhecimento avança. Elas garantem a liberdade de questionar ideias e estruturas de poder, de propor novas teorias, mesmo que culturalmente desconfortáveis —algo essencial ao avanço da humanidade.

As instituições democráticas oferecem o melhor terreno para enfrentar as injustiças sociais e a melhor esperança de realizar as promessas do pós-guerra: o direito ao trabalho, à educação, à saúde, à segurança social, à participação na vida cultural e científica, e o direito coletivo dos povos ao desenvolvimento, à autodeterminação e à paz. Sem isso, a humanidade enfrentará estagnação, crescente desigualdade, injustiça e catástrofe, incluindo a ameaça existencial causada pela emergência climática, que a nova vaga fascista nega.

No nosso mundo hiperconectado, a democracia não pode existir no isolamento. Assim como as democracias nacionais exigem instituições fortes, a cooperação internacional depende da implementação efetiva de princípios democráticos e do multilateralismo para regular as relações entre nações, bem como de processos participativos com múltiplos intervenientes para garantir uma sociedade saudável.

O Estado de Direito tem que ir além das fronteiras, assegurando que tratados internacionais, convenções de direitos humanos e acordos de paz sejam respeitados. Apesar da governança global e das instituições internacionais existentes deverem ser aperfeiçoadas, a sua erosão em favor de um mundo governado pela força bruta, pela lógica transacional e pelo poder militar representa um retrocesso para uma era de colonialismo, sofrimento e destruição.

Tal como em 1925, nós cientistas, filósofos, escritores, artistas e cidadãos do mundo temos a responsabilidade de denunciar e resistir à ressurgência do fascismo em todas as suas formas. Assim, fazemos apelo a todas as pessoas que valorizam a democracia a agir:

  • Defendamos as instituições democráticas, culturais e educacionais. Denunciemos os abusos contra os princípios democráticos e os direitos humanos. Recusemos o conformismo antecipado.
  • Unamo-nos em ações coletivas, locais e internacionais. Boicotemos e façamos greve sempre que possível. Tornemos a resistência impossível de ignorar e dispendiosa de reprimir.
  • Defendamos os fatos e as evidências. Cultivemos o pensamento crítico e criemos laços ativos nas nossas comunidades.

Esta é uma luta contínua. Que as nossas vozes, o nosso trabalho e os nossos princípios sejam uma barreira contra o autoritarismo. Que esta mensagem seja uma renovada declaração de resistência.



Fonte ==> Folha SP – TEC

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