Fazer passeios guiados pelo centro de São Paulo virou uma atividade corriqueira. Nos últimos anos, o lugar vem se tornando cada vez mais atraente. Existe grande interesse em caminhar pela região para conhecer a história de prédios projetados por arquitetos ilustres ou para ver as belas galerias.
Porém, quando essas jornadas peripatéticas eram inexistentes, o empresário Carlos Beutel, dono do restaurante vegetariano Apfel Nutrisom, no viaduto Nove de Julho, tomou uma decisão. Começou a promover todas as quintas-feiras, às 20 horas, caminhadas noturnas pela cidade, em um esforço para valorizar seu patrimônio e mostrar suas belezas.
Isso aconteceu há 20 anos. O primeiro desses encontros foi em outubro de 2005. Participaram cerca de 40 pessoas que visitaram o Centro Histórico. Cruzaram o viaduto do Chá, entraram na rua Direita e caminharam até a praça da Sé. Nessa época o próprio Beutel servia de guia, mas um ano depois ele passou a contratar profissionais.
Criado no bairro do Bom Retiro, Beutel foi um pioneiro das visitas guiadas, que duram duas horas, e até hoje fez mais de 900. Ele nunca falha. Mesmo durante a pandemia, reunia as pessoas remotamente. Hoje, convoca os participantes pelas mídias sociais e consegue sempre atrair dezenas de interessados. Já realizou eventos com mais de 300 participantes. Seu ponto de partida é a biblioteca Mário de Andrade.
“Desde a década de 1990, trabalho pela recuperação do Centro de forma determinada e persistente e as caminhadas dão oportunidade para paulistanos e turistas conhecerem melhor a região”, diz. “Acho que sou a única pessoa no planeta que faz esse tipo de atividade voluntariamente e por amor à sua cidade.”
Ele não ganha nada com seu projeto, só põe dinheiro do bolso. Paga um guia, um fotógrafo, faz folheto, compra equipamento de som e contrata um técnico para colocar o conteúdo na internet toda semana.
Conta que decidiu fazer os passeios de noite simplesmente porque trabalha de dia. A extensão da caminhada pode ser de 200 metros até dois ou três quilômetros. Há alguns passeios que se repetem.
Todo ano, por exemplo, ele visita os presépios da igreja dos franciscanos. Outro passeio recorrente, em agosto, trata do advogado dos escravos, Luiz Gama. Agora, Beutel está programando visitas periódicas ao Museu de Arte Sacra, que começará a abrir à noite, uma vez por mês.
Fez visitas aos cinco prédios de Oscar Niemeyer no Centro, à igreja dos Aflitos e já homenageou os empresários Francisco Matarazzo e Antônio Ermírio de Moraes. Também passeou pelas 13 galerias da região.
Em duas décadas nunca houve um acidente ou problemas de segurança com os grupos de caminhantes. Uma única vez, num passeio na cracolândia, jogaram uma pedra do alto de um prédio, mas ninguém foi atingido.
“Só pretendo que as pessoas conheçam São Paulo, tenham consciência da riqueza da região e a valorizem mais”, afirma. “Muita gente foi a Londres, Paris, Buenos Aires e achou tudo lindo, mas não conhece a própria cidade.”
Segundo ele, ainda falta um planejamento estratégico para o Centro e os maiores problemas locais são a segurança e a zeladoria, que envolve um maior cuidado com os imóveis, as calçadas e a coleta de lixo.
Na próxima quinta-feira será feito um passeio temático para falar do orçamento municipal. Na sequência, Beutel tratará dos postes históricos dos tempos da Light, instalados em 1917. O que não falta é assunto para o caminhante da noite.
Fonte ==> Folha SP