Em novembro de 2025, quando os países se reunirem em Belém, o clima político estará tão quente quanto o planeta. Será a primeira conferência climática em um território amazônico, que abriga floresta em pé, e que também é uma possível fronteira de expansão do petróleo. Uma cidade com deficiências estruturais crônicas, mas riquíssima em cultura. Isso importa, mas não é tudo. Belém não pode se contentar em ser símbolo.
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A COP30 precisa ser um mutirão. Não no sentido festivo ou alegórico, mas no literal: ação coordenada para resolver problema concreto. E o problema, neste caso, é o mais complexo já enfrentado pela humanidade em tempos de paz: evitar o colapso do sistema climático e administrar suas consequências já em curso. A questão é como organizar e engajar todos nesse esforço coletivo.
A meu ver, precisamos de um mutirão para construir quatro pilares. O primeiro é o da adaptação. Trata-se de uma obviedade que o debate político ainda reluta em admitir: o planeta já esquentou, e continuará esquentando nas próximas décadas. A conta já chegou. E, como sempre, quem paga mais são os mais pobres. A adaptação deveria ser o eixo de todas as políticas públicas, especialmente no Sul Global. Mas continuamos tratando a catástrofe climática como evento isolado, e não como a nova condição permanente.
O segundo pilar é o da ambição. O Acordo de Paris estabeleceu como meta o limite de 1,5°C de aquecimento. Mas os compromissos atuais dos países apontam para 2,6°C. Não é um pequeno desvio: é uma rota para o desastre. E o mais preocupante é que essas metas guiam os orçamentos públicos, os investimentos privados e o ritmo da transição em cada país. Diz-se que até o fim do ano haverá uma melhora nesse cenário, fiando-se na expectativa de que a China e a União Europeia trarão suas ofertas em breve. Mas será suficiente para achatar a curva do aquecimento global? Provavelmente, ainda não.
O terceiro pilar é o da saída dos combustíveis fósseis. Os governos ainda operam como se o petróleo fosse eterno e as emissões irrelevantes. Os planos atuais de produção de carvão, petróleo e gás equivalem ao dobro do que seria compatível com a meta de 1,5°C. Enquanto a discussão sobre a produção e o consumo fóssil continuar fora da sala, o resto do debate climático continuará sendo um exercício de negação coletiva.
O quarto pilar é menos técnico e mais incômodo, a coragem política. O curioso é que as soluções já estão aí: segundo a Agência Internacional de Energia (IEA) e o Projeto Drawdown, não precisamos de milagres tecnológicos.
A energia solar é a mais barata da história. A eletrificação já balança o domínio do petróleo. Mais de 80% das emissões globais estão cobertas por metas de neutralidade. O problema não é mais de viabilidade, e sim de “botar a mão na massa”. E, neste momento, a maior ameaça não é o negacionismo explícito, mas o ceticismo resignado. A tentativa de disfarçar a paralisia com uma retórica de realismo, como se as soluções possíveis fossem simplesmente inviáveis e a realidade nos obrigasse a assistir ao colapso passivamente.
Coragem, aqui, é manter o curso mesmo quando isso implica enfrentar interesses consolidados. É sustentar a ideia de que ainda dá tempo e não por ingenuidade, mas por racionalidade. O clima está quente demais para atitudes mornas.
Belém pode marcar a virada, se formos capazes de encará-la como tal. Mutirão exige coordenação, sacrifício e algum grau de confiança mútua. Não é algo que se terceiriza. O que está em jogo para o Brasil não é apenas reputação, mas relevância. O que está em jogo é mostrar que queremos liderar a transformação, porque o mundo vai precisar da gente.
Fonte ==> Folha SP