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O clima mudou; e nós? – 06/04/2025 – Opinião

A imagem mostra a silhueta de um trabalhador em um canteiro de obras, com o sol brilhando intensamente ao fundo. O céu é claro e azul, e há estruturas de metal visíveis em primeiro plano, sugerindo atividade de construção.

Quando parte da minha casa caiu e uma mistura de granizo e lama destruiu boa parte das coisas que tínhamos em nosso lar em 2021, em Santana do Deserto (MG), eu demorei a me dar conta de que aquilo também era sobre mudança climática. Mesmo atuando desde a infância na causa ambiental, essa percepção não veio de imediato. Nesse caso, certamente o choque foi o sentimento predominante.

Mas não é preciso grandes choques como as tragédias do Rio Grande do Sul ou da região serrana do Rio de Janeiro para se dar conta de que os tempos são difíceis e que as respostas humanas a esses desafios parecem sempre ineficientes diante do tamanho do problema.

Abrimos 2025 com janeiro sendo o mês mais quente já registrado na história e com a confirmação de que 2024 foi também o ano mais quente de todos os tempos —o primeiro em que a temperatura global ultrapassou 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais.

Em um cenário de grandes expectativas, mas também de cautela, o Brasil se prepara para receber a COP30, a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, em novembro, em Belém.

Eventos dessa magnitude deveriam, em tese, ser grandes catalisadores da ação comprometida e eficaz dos países pela ação climática, adicionando resiliência e respeito à nossa relação com a natureza. No entanto, chegamos a 2025 na 30ª edição da COP —que pela primeira vez acontece na amazônia, no epicentro da crise climática, como destacou o próprio presidente da conferência ao divulgar recentemente sua primeira carta ao planeta.

Muitos de nós esperaram que a pandemia pudesse trazer à humanidade alguns aprendizados humanitários a partir dos choques e perdas impostos a todo o mundo. Essa expectativa foi frustrada. No caso climático, o caminho para uma mudança sistêmica minimamente real em prol da proteção da vida no planeta deve passar para além do choque, interiorizando-se no cotidiano das pessoas, empresas e governos.

O direito internacional e a ciência há muito tempo já se ocupam da discussão sobre a emergência do clima. Mas isso definitivamente não foi suficiente para que se tratasse o aquecimento global a partir de ações com sua devida seriedade. Para que avanços robustos nessa seara aconteçam, é urgente uma democratização de fato da pauta ambiental e climática. É necessário que se saiba que o famigerado preço do café nos mercados brasileiros também tem a ver com clima. Que a partida de futebol do seu time do coração na TV foi atrasada por uma condição climática adversa. Como diria Gilberto Gil, “o povo sabe o que quer, mas o povo também quer o que não sabe”. Assim, é preciso trazer a consciência climática para o cotidiano das pessoas.

Nesse esforço, nada mais representativo do que a metáfora futebolística de que estamos no acréscimo do jogo mais importante de nossas vidas. Estamos perdendo, mas ainda dá tempo de uma virada histórica, como contido no manifesto do Terra Futebol Clube, uma iniciativa por meio da paixão pelo esporte, e como presente também na carta do presidente da COP, o embaixador André Corrêa do Lago.

Em tempos de multilateralismo ameaçado —vale lembrar que Donald Trump anunciou uma nova retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris, por exemplo— e em tempos de crescente desconfiança nas instituições, convém olhar com mais atenção para como as pessoas podem exercer papel de influência na resolução de problemas globais. Afinal, são elas que sentem os impactos no custo de vida, na respiração, nas enchentes, secas e queimadas. E são elas que votam e podem pressionar representantes políticos do nível local ao global por ações responsáveis.

O sucesso da COP passa por uma tarefa maior, de quase reespiritualização da humanidade consigo mesma e com o planeta em um mundo carregado de individualismo e negacionismo. Enquanto engravatados de todas as partes do mundo estiverem discutindo vírgulas do nosso futuro em Belém, na COP30, a mudança precisa estar acontecendo aqui: dentro de nós.

TENDÊNCIAS / DEBATES

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.



Fonte ==> Folha SP

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