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O mistério das torres de cigarras – 20/08/2025 – Ciência Fundamental

A imagem apresenta uma ilustração estilizada de três cigarras em diferentes cores: uma vermelha, uma verde e uma branca com detalhes amarelos. As cigarras têm asas transparentes e estão dispostas sobre um fundo azul. Linhas onduladas em vermelho conectam as cigarras, e há um elemento vertical à direita que parece ser uma planta ou um objeto semelhante.

Ao sobrevoar a Amazônia pela primeira vez, senti como se ouvisse da floresta: “Você está entrando em outro mundo”.

Eu, bióloga marinha, passei dez dias imersa naquele bioma em um curso de campo com outros 15 jovens, parte da Formação em Ecologia Quantitativa do Instituto Serrapilheira. Meu objeto de estudo ao longo desses dias parecia confirmar o que a floresta me falou: torres de argila misteriosas, encontradas no solo da mata. Nunca tinha visto nada parecido.

Por isso mesmo, levei um susto na primeira vez que vi essas torres, durante uma trilha exploratória. Estruturas cilíndricas, de formato sugestivo, bem esculpidas e de tamanhos variados. Eram torres feitas por ninfas de cigarras no ano anterior à metamorfose, os professores explicaram, moldadas com argila e excretas. No momento certo, as ninfas abrem a torre, sobem ao topo e ali passam pela transformação.

Éramos um grupo de quatro mulheres tentando avançar nesse projeto, e a escassa literatura a respeito não ajudava: por que essas torres são construídas? Para que servem? Por que tamanhos tão distintos? A intuição dizia que aquilo não era aleatório. Foi então que, ao nos afastarmos das torres, vimos algo impossível de ignorar: formigas.

O chão era dominado por elas, solitárias ou em colônias enormes, todas potenciais predadoras de ninfas. Bingo! Será que as torres serviriam de proteção durante a metamorfose? Essa foi nossa primeira hipótese. Voltamos a examiná-las.

E se regulassem também o ambiente interno? Sabíamos que as extremidades de muitas dessas torres se abriam após chuvas fortes. Será que, ao encharcar a argila, a água bloqueava os poros das torres e dificultava a respiração das cigarras que estavam dentro delas? Talvez a abertura ajudasse nas trocas gasosas. Assim formulamos nossa segunda hipótese: as torres também teriam uma função de regulação fisiológica.

Chegou a hora de testar as hipóteses. A coleta de dados não foi simples. As trilhas eram longas; a mata, densa; o calor, sufocante. Primeiro medimos as alturas das torres. Para a hipótese antipredação, experimentamos diversos tipos de iscas para formigas até encontrar a ideal: pequenas “pizzas” de farinha, água e sardinha. Pusemos as iscas no topo das torres e no solo da floresta e confirmamos nossa hipótese: nas torres, as formigas apareciam oito vezes menos do que no solo.

Para testar a função de regulação fisiológica, quebramos a cabeça: como vedar as torres? Então uma das minhas colegas brincou: “Olhem para o formato delas. E se usássemos preservativos?”. Fazia sentido. Testamos o método inusitado e, quando um preservativo inflou levemente ao redor de uma torre, percebemos que a estratégia funcionaria.

Munidas de 40 preservativos, vedamos as torres e descobrimos que elas de fato ajudam na regulação de gases. Mais do que isso, descobrimos, ironicamente, que tamanho importa. Torres de tamanhos diferentes respondem de formas distintas: as maiores cresceram mais após a vedação, sugerindo que lidam melhor com o estresse.

Um experimento simples, uma descoberta potente e a prova de que criatividade, liberdade e observação andam juntas na ciência. Como bônus, encontramos a maior torre de cigarra já registrada no mundo: 47 centímetros.

Sair do meu habitat marinho e mergulhar na floresta me fez crescer como cientista. Aprendi sobre cigarras, mas também sobre escuta, parceria e liberdade para explorar ideias fora da caixa. Aprendi que fazer ciência é também abraçar o inesperado e que grandes descobertas podem nascer de uma trilha difícil ou de uma ideia aparentemente maluca.

O Ciência Fundamental é editado pelo Serrapilheira, um instituto privado, sem fins lucrativos, de apoio à ciência no Brasil. Inscreva-se na newsletter do Serrapilheira para acompanhar as novidades do instituto e do blog.

O texto foi revisado pelos pesquisadores Pedro Pequeno (UFRR) e Rodrigo Fadini (UFOPA)



Fonte ==> Folha SP – TEC

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