As notícias sobre trotes, que se repetem sempre nesta época do ano, e suas repercussões em redes sociais, ajudam a explicar muito do que as pesquisas do campo da neurociência têm mostrado sobre o desenvolvimento do cérebro do adolescente.
Antes de tudo, é preciso esclarecer que, ao falar de calouros e veteranos em faculdades estamos, sim, tratando de adolescentes. Eles não são adultos ainda do ponto de vista cerebral, apesar de já terem maioridade penal, poderem dirigir ou consumir bebidas alcóolicas. A ciência explica que as mudanças começam por volta dos 12 anos e duram até os 24 anos. Elas alteram a forma como as até então crianças fofas passam a pensar, tomar decisões e se relacionar.

A adolescência não é uma etapa a ser superada e, sim, uma etapa da vida a ser cultivada da forma certa, lembra o livro Cérebro Adolescente Foto: Freepik/Creative Commons
Nas redes sociais, comentários de outros jovens mostravam nenhuma surpresa ou crítica ao que havia ocorrido e classificavam como algo rotineiro.
No livro Cérebro Adolescente (nVersos Editora), o professor da Universidade da Califórnia (UCLA) Daniel J. Siegel explica os comportamentos “moldados pelos impulsos de gratificação no cérebro” nessa etapa da vida. O primeiro deles é uma liberação maior de dopamina quando se envolvem em experiências estimulantes, o que “pode dar uma sensação poderosa de estarem vivos”. E uma impressão de tédio quando não estão fazendo algo realmente maluco e novo.
Essa grande necessidade por “gratificações” leva à impulsividade e a quase nenhuma reflexão antes de se envolver em situações claramente arriscadas. E também a uma maior suscetibilidade ao vício em drogas ou álcool, diz o pesquisador. “Quando o álcool evapora, a dopamina despenca. Então o adolescente é levado a usar mais da substância que reforçou os circuitos da dopamina.”
Para completar, há o comportamento que Siegel chama de “hiper-racionalidade”, que faz com que tenham dificuldade em considerar o contexto. Seus cérebros passam a dar mais peso ao resultado positivo e não aos inúmeros resultados possíveis negativos de uma ação. “Os prós superam em muito os contras e o risco parece simplesmente valer a pena”, afirma.
E, claro, essa ideia é especialmente reforçada quando estão em grupo e acreditam que seus amigos verão o que estão fazendo, em mais uma característica marcante do cérebro adolescente: a necessidade de engajamento social.
Com essas descrições, a impressão para pais e mães é de que não há saída a não ser se afastar daquela pessoa que não te quer por perto. E torcer para que nada grave aconteça até a adolescência acabar. Mas, a mensagem importante de Siegel é oposta. Justamente o vínculo com pais e outros adultos de referência é que vai ajudar os adolescentes a não se envolverem em atitudes perigosas.
Vínculos de segurança e acolhimento que vêm desde a infância e que, na adolescência, encorajam discussões de valores e não apenas inibem seus impulsos. Isso não significa não impor limites, mas compreender, de verdade, o que está por trás das ações que parecem arriscadas. Uma compreensão empática e uma comunicação respeitosa entre as gerações, sugere o pesquisador. E que também ajude a canalizar esses impulsos de maneira útil, como para os esportes, por exemplo.
Não é fácil e cada família vai encontrar seu caminho. Mas a parte boa é que todas essas mudanças cerebrais vão permitir o surgimento de novas habilidades, como pensar criativamente e solucionar problemas de maneira inovadora, essenciais para a evolução do jovem e da sociedade. Como diz Siegel, a adolescência não é uma etapa a ser superada e, sim, uma etapa da vida a ser cultivada da forma certa.
Quanto aos trotes no Direito da USP, pais e professores precisam ajudar esses jovens – calouros, veteranos ou usuários das redes que acham tudo normal – a se conscientizar de quais valores estão cultivando e a que riscos estão submetidos ao participar de atividades como essas. Sozinhos, eles não vão conseguir – e os trotes vão se repetir ano após ano.
Fonte ==> Estadão