Não é de hoje que o polo petroquímico de Capuava causa estorvos para a população da zona Leste. Quem mora no Parque São Rafael, em São Paulo, na divisa com Mauá e Santo André, que o diga. A população do bairro, posicionado atrás das fábricas de resinas termoplásticas da Braskem, sofre principalmente com a poeira e com problemas pulmonares. Há o sonho difuso de que um dia a petroquímica desapareça dali.
Com base nessa ideia fantasiosa surgiu uma distopia. O grupo de teatro Rosas Periféricas montou o espetáculo “Labirinto Selvático”, terceira parte de uma trilogia que investiga as memórias e as perspectivas de futuro do Parque São Rafael. A peça tem como mote a explosão das fábricas.
“A explosão é um mito no bairro, é uma história que acontece, todo mundo conta. Desde a nossa infância falavam que em algum momento a petroquímica iria explodir”, diz Mônica Soares, integrante do grupo. “O que fizemos foi pegar um conto do território e falar o que aconteceria um dia depois do acontecimento.”
Para criar sua dramaturgia, o Rosas Periféricas partiu de um acidente de grandes proporções que traria morte e destruição. E se isso acontecesse? Quem se salvaria? Como as pessoas reagiriam? Quem ficaria em apuros?: são algumas perguntas que percorreram a cabeça dos participantes do coletivo.
A refinaria de Capuava foi inaugurada em 1954 e o Parque São Rafael, oito anos depois, atraindo mão de obra que vinha trabalhar na refinaria, mas principalmente na nascente indústria automobilística da região do ABC. O bairro era a fazenda de Juta, que foi loteada pelo empresário Adib Zarzur. O lançamento do empreendimento imobiliário aconteceu em 1962. Tinha 4.330 lotes.
Atualmente, Capuava é a menor refinaria da Petrobras, mas já foi a maior. Também era ultrapassada e, na década de 1990, passou um processo de modernização e ganhou um sistema de controle digitalizado. Nas imediações da refinaria há várias fábricas que usam a sua matéria-prima, como a Braskem, que tem quatro unidades na região.
A Braskem acumula um histórico de acidentes. Em 2023, uma explosão no complexo deixou dois mortos e três pessoas feridas. O caso aconteceu quando funcionários de uma empresa terceirizada faziam a pintura e solda de um tanque de armazenamento de 12 metros. Foi a ocorrência mais grave desde 1992.
Também em 2023, a Prefeitura fez um estudo epidemiológico em São Rafael, Sapopemba e São Mateus para verificar se problemas respiratórios, na tireoide, na pele e a queda de cabelo estavam associados com as emissões de poluentes do polo. Três mil pessoas foram entrevistadas e 660 passaram por exames. Os estudos descartaram a relação entre a poluição e a doença na tireoide.
O Rosas Periféricas é um grupo de teatro que surgiu em 2009 e é formado por cinco atores e atrizes que são também educadores. Segundo Soares, o coletivo acredita no processo colaborativo e investiga as questões que rondam as periferias, principalmente o parque São Rafael, onde fica sua sede.
As duas primeiras peças da trilogia são “Narrativas submersas” e “Lembranças do quase agora”, que tratam da história do bairro. “Parte da nosso trabalho tem a ver com a memória, pesquisamos como as memórias que compõem o cotidiano periférico podem ser transformadas em cenas”, afirma. “A fábrica não explodiu, mas ela explode a cada dia porque a gente respira um ar poluído e está adoecendo.”
Fonte ==> Folha SP
