Paulista primordial, João Ramalho é um grande mistério da história do Brasil. Quase nada se sabe sobre suas origens ou sobre sua chegada em São Paulo, onde se tornou a maior liderança branca nos primeiros anos da colônia, criando laços familiares com os indígenas tupiniquins e exercendo grande influência política e militar no planalto de Piratininga.
O certo é que ele era português, natural de Barcelos, e que aportou no Brasil bem no começo do século 16. Possivelmente como náufrago de um desastre ocorrido em 1510. Mas também se cogita que ele tenha sido um degredado, um desertor ou mesmo um aventureiro. Sua façanha foi ter subido a Serra do Mar e conseguido, sozinho, se entrosar com os povos que viviam na região.
Quando Martim Afonso de Sousa chegou a São Vicente, em 1530, João Ramalho, que dá nome a uma rua no bairro de Perdizes, já era um morador ilustre do novo mundo há duas décadas e tinha uma prole infindável. Os dois se conheceram e se afinaram. Ramalho dominava a cena, comandava os indígenas e criou uma relação especial com o poderoso cacique Tibiriçá, líder tupiniquim, grande guerreiro e pai de Bartira, com quem o português se uniu.
Como conta Roberto Pompeu de Toledo no livro “A Capital da Solidão”, ele “tinha várias mulheres, paralelas à principal, ou pelo menos à mais conhecida, Bartira. Não se constrangia em andar nu. Não obedecia a preceitos religiosos, sua lei era a que precede a organização das sociedades em Estados”. Como os nativos não praticavam a monogamia, ele podia ter diversas esposas e aumentar seu poder por meio do que o antropólogo Darcy Ribeiro chamou de “cunhadismo”.
Em 1554, quando o planalto passou a ser ocupado pelos jesuítas, liderados por Manuel da Nóbrega, João Ramalho passou a ser visto como um devasso, um homem sem verdadeira fé, “infame e excomungado”. Sua liderança, porém, já estava consolidada e, ao longo do tempo, os religiosos perceberam que precisavam dele para manter sua posição, defender o pátio do Colégio, se proteger de tribos hostis, como os tupinambás e os carijós, e levar adiante seu trabalho de catequese.
Antes da instalação do pátio do Colégio, houve um primeiro povoado no planalto de Piratininga chamado Santo André da Borda do Campo, cuja localização exata não é sabida e onde vivia João Ramalho. Em 1553 foi transformada em vila pelo governador-geral Tomé de Sousa. João Ramalho foi nomeado alcaide-mor da vila. Também foi um dos responsáveis pelo início do tráfico de escravos indígenas.
João Ramalho convenceu Tibiriçá a ajudar os portugueses que chegavam no planalto, ao invés de atacá-los e viabilizou a ocupação do território, que ele conhecia como ninguém. Nessa altura já tinha milhares de homens a seu serviço que o apoiavam no comércio do pau-brasil e na guerra. Passou a ser visto como um mal necessário, fundamental para levar os planos dos portugueses adiante.
O que se sabe de sua personalidade é que era extremamente vigoroso e hábil. Fazia grandes caminhadas sem se cansar. Sua pele era morena, possuía uma longa barba e tinha porte atlético. Não demorou para aprender a língua nativa, o que lhe permitiu interagir facilmente com os grupos locais. Deixou uma grande descendência mestiça que nos séculos seguintes desbravaria o interior do Brasil. Morreu em 1582, aos 89 anos.
Fonte ==> Folha SP