São Paulo
Faz todo sentido comentar a novela “Vale Tudo”. Ela fala de temas fundamentais como ambição, sedução, honestidade, ética (ou a falta dela), paixão, violência, relações humanas, vida, morte e tudo o que diz respeito a qualquer sociedade.
“Vale Tudo” é tão importante para nossa cultura popular que ficou em primeiro lugar na lista das 60 maiores novelas dos 60 anos da Rede Globo, na opinião de jornalistas e colunistas de entretenimento dos mais variados veículos.
Em outras palavras, é absolutamente esperado que o remake de “Vale Tudo” com seu novo elenco e atualizações seja objeto de interesse de milhões de pessoas. Ainda mais quando surge um embate entre um ator consagrado como Cauã Reymond e a atriz Bella Campos, que faz o papel da icônica Maria de Fátima. Todo mundo gosta de fofocas, de embates, de ver na tela as cenas de ficção sabendo das tensões da vida real.
Há dias estamos acompanhando o desenrolar dessa desinteligência, tentando entender por que os dois não se bicam, quando as desavenças começaram, quais são os atores que apoiam os envolvidos. E mais, as questões levantadas na discussão entre Cauã e Bella, envolvendo machismo, autoridade e falta de coleguismo, também podem ser didáticas e oferecer pautas interessantes para uma conversa entre todos nós.
Porém, a coisa está começando a tangenciar a bizarrice. Porque já não estamos mais falando de trabalho, de comportamento profissional, de coleguismo, mas de detalhes corporais. Bella teria reclamado até do “cheiro” de Cauã, tanto do hálito quanto do seu suor. Imediatamente, alguém exumou uma informação de 13 anos atrás de que ele não usa desodorante e prefere passar talco nas axilas.
Sério, gente? Tudo bem que muitos jornalistas foram entrevistar dermatologistas e prestaram um serviço público ao elucidar se talco substitui desodorante ou não (segundo a dermatologista, não, porque o talco não tem propriedades bactericidas nem antissépticas). Mas faz sentido chegar nesse nível de detalhe?
Discutir a forma como o ator prefere tratar suas axilas? O problema das faíscas entre Cauã e Bella é realmente baseado no aroma da transpiração do ator? E quanto a nós, que nem estamos envolvidos na briga? Nós precisamos mesmo falar sobre o sovaco do Cauã Reymond? E do sovaco vamos para onde? Vamos discutir as dobras de sua virilha, seus hábitos de higiene no banheiro?
A gente sabe que em tempos de redes sociais e influenciadores, é comum ver famosos dando detalhes de suas vidas, até porque muitos deles não têm repertório para tanta postagem e, no afã de publicar alguma coisa, acabam compartilhando intimidades desnecessárias. Mas vale lembrar que a gente tem a opção de não seguir, não ver, não se interessar.
Por que tantos milhões de pessoas dedicam seu tempo de vida na terra acompanhando a vida de gente vazia em vez de cuidar da própria vida? Ah, sim, eu sei, porque as pessoas querem ver vidas de pessoas ricas, que são aspiracionais. Mas não seria o caso de a gente pensar na última mensagem que o Papa Francisco deixou, aquela que diz para não estacionarmos nossos corações na tristeza e nas ilusões? Porque tudo isso é ilusão.
Temos a ilusão de que poderemos ter a vida do casal que ostenta seus milhões nas redes o dia inteiro. Temos a ilusão de que seremos parte da vida dos famosos da novela, se acompanharmos o sovaco do Cauã Reymond. Só que não. Para eles, a gente nem cheira nem fede. Nem com talco nem com desodorante. Para eles, você, eu, a gente nem existe.
Bora seguir o papa Francisco e estacionar nossos corações em coisas que nos alegrem, que nos façam bem, que nos engrandeçam como pessoas.
Fonte ==> Folha SP