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Presas prosperam ao cumprir penas em presídios humanizados – 08/03/2025 – Papo de Responsa

Mãe em presídio segura criança; ambas estão dentro da cela

Quando lançamos um olhar para os campos floridos e exuberantes de margaridas, é impossível não nos deleitarmos com a beleza indescritível das cores e o perfume inebriante que alimenta e eleva a alma. Ali, embora todas as flores pareçam iguais, sabemos que cada uma é diferente, única e especial.

No momento em que celebramos o Dia Internacional da Mulher, não podemos deixar de lembrar e reverenciar milhares de margaridas que, ao contrário daquelas cultivadas com desvelo nos campos dourados de sol, cumprem pena de reclusão em fétidas e imundas prisões espalhadas por todos os continentes.

Pesquisa conduzida pelo World Female Imprisonment List em 2023 revela que o Brasil ostenta a terceira maior população carcerária feminina do planeta, sendo superado apenas por Estados Unidos e China.

Cenário doloroso, que se revela ainda mais perturbador quando olhamos para os números. Segundo o Relatório de Informações Penais do Ministério da Justiça e Segurança Pública para o primeiro semestre de 2024, 28.770 mulheres encontram-se privadas de liberdade em solo brasileiro. Entre elas, 212 estão grávidas e 117 são lactantes. Além disso, 119 crianças vivem nas unidades prisionais.

Em meio aos números, há vidas marcadas pela ausência de humanidade nos corredores apertados e caóticos dos presídios. Em espaços exíguos, improvisados e superlotados, uma legião de mulheres se encontra desprovida de tudo.

Nas minhas muitas andanças pelos corredores das prisões, já vi e ouvi de tudo: histórias de dor e fracassos, lágrimas e sofrimento, histórias de violência e ambição. Vi mulheres esperando indefinidamente pela visita de companheiros e filhos, mulheres disputando o pão e o afeto, o colchão e o absorvente, a perda e a saudade.

Vi mulheres ora sendo pisadas como tapetes, ora sendo usadas como peças de um jogo traiçoeiro, em cujo tabuleiro se lança a sorte das que sobrevivem à peleja do cárcere.

Abandonadas que são à própria sorte e relegadas por parcela considerável da sociedade, que teima em ver prisões como espaços de vingança e não como lugares de recuperação de vidas, elas carregam o fardo de serem mulheres privadas de liberdade e são tratadas diuturnamente como a escória, o lixo podre, seres inúteis, imprestáveis, descartáveis e invisíveis.

Ocorre que a vida é dinâmica, e o espírito é sempre ousado e criativo. Por essa razão, não obstante a descrença de muitos e a omissão de tantos, nos calabouços, charcos e pântanos da insensatez e indiferença, é possível que margaridas nasçam, cresçam e floresçam.

Belíssimos trabalhos e iniciativas não faltam por esse Brasil afora, lideradas por organizações constituídas por pessoas sérias e comprometidas, a exemplo das Apacs (Associações de Proteção e Assistência aos Condenados) femininas.

Ali não há a presença de policiais, e independentemente do crime cometido ou o tempo de condenação, todas as chaves ficam em posse das recuperandas, como ali são reconhecidas.

Nessas instituições, mulheres são chamadas pelo nome e acolhidas como seres dotados de saberes, grávidas de sonhos e projetos, repletas de qualidades e infinitas potencialidades. São tratadas com todo o respeito e dignidade garantidos pela legislação, e, assim como as margaridas dos campos, são todas elas lindas, especiais, singulares e irrepetíveis.

Dentro de uma rotina diária que inicia às 6h e termina às 22h, as recuperandas realizam inúmeras atividades e participam de oficinas diversas com foco em educação, trabalho, cuidados com a saúde, arte e cultura, além de palestras de valorização humana e rodas de conversa.

Entre os temas abordados, estão dependência emocional, sororidade, psicologia feminina, reconstrução de valores, igualdade de gênero, racismo e cultura do patriarcado.

O método Apac prima sempre pela busca do autoconhecimento, responsabilização e reparação do erro cometido e ressignificação de histórias. Em parceria com diversas organizações da sociedade civil, empreende esforços contínuos para oferecer ferramentas e subsídios que as ajude a caminhar em liberdade, sem a eterna dependência das muletas da instituição.



Fonte ==> Folha SP

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