O recuo no tarifaço de Donald Trump anunciado na quarta-feira deixou claro que o presidente norte-americano acabou se vendo sob forte pressão numa posição de crescente isolamento tanto no cenário externo quanto interno. A combinação desses dois aspectos levou a uma alteração inesperada de rumos e abalou a imagem de valentão do populista americano.
O acirramento da guerra tarifária a partir do momento em que a China decidiu peitar a escalada das barreiras, apresentando-se como polo desafiador da guerra comercial, azedou de vez o clima já de forte volatilidade dos mercados. Wall Street despencou e se aproximou do que os americanos chamam de “mercado urso”, quando se registra uma queda de pelo menos 20% em relação ao pico anterior.
Bolsas no mundo todo traduziam o ambiente de incertezas, incredulidade e pânico com o furacão que só se avolumava.
Sem aliados, uma vez que distribui tarifas pelo mundo e atacou instituições, alianças tradicionais e o próprio pacto liberal do pós-Guerra, Trump enfrentou dificuldades para se contrapor aos efeitos das retaliações chinesas.
No plano interno, as consequências do recrudescimento das tensões migraram do mercado de ações para os títulos do Tesouro americano, como se sabe o porto seguro das finanças internacionais. Formava-se um quadro de tempestade perfeita. A reação do establishment econômico, que já havia chegado a Trump, renovou-se com mais intensidade. A esfera bilionária pressionou para evitar um naufrágio.
Ao anunciar a suspensão das tarifas “recíprocas” por 90 dias, o presidente americano deu um respiro para os mercados, ainda tensos, e sensação de uma trégua para o mundo. Ocorre que os problemas criados não foram solucionados. Tarifas elevadas básicas ou sobre produtos específicos, como aço e alumínio, ainda sobrevivem. Também permanece em cena, sem pacificação, o caso mais temível, que é a polarização com a China, tarifada em 145%.
O caos que se instaurou com a insana ofensiva de Trump ressaltou o papel ascendente dos chineses no cenário global e o vetor decadente dos EUA.
Thomas Friedman, colunista do jornal The New York Times, publicado por esta Folha, tem insistido em seus textos recentes sobre o que que lhe parece evidente: a China é a “Tomorrowland” (terra do amanhã) e os norte-americanos, iludidos, não têm ideia do que se passa por lá.
“A China já controla um terço de toda a manufatura global (em 2000, eram 6%) e, quer se fale de carros, robôs ou telefones, o que está saindo da China hoje não é apenas mais barato e rápido. É mais barato, mais rápido, melhor e mais inteligente”, escreveu.
É fato que a guerra comercial em nada ajuda a China, que precisa de mercados para suas exportações. Paralelamente, a destruição do arcabouço liberal, o ataque a aliados históricos, a perda de credibilidade e os solavancos econômicos dos EUA não deixam de contribuir para a grande marcha da “Tomorrowland”, a trombetear o século chinês que se avizinha.
Conturbadas em vários aspectos, as relações entre os dois países moldaram a globalização econômica do século 21. A hipótese de que as tensões não sejam ao menos aplacadas é um tanto sombria. Todos sairiam perdendo. É de supor que algum tipo de correção venha a ser feita. Resta saber quando e como.
Fonte ==> Folha SP