A história de Sandra Rocha Adami é daquelas que não cabem apenas em uma biografia profissional. Ela é feita de sons, silêncios, ritmos e histórias humanas que transformam não apenas alunos, mas também sua própria forma de enxergar a vida. Professora de música desde 1998 e pianista clássica desde 2004, Sandra construiu uma trajetória marcada por sensibilidade, determinação e uma crença firme: a de que a música é para todos, independentemente das limitações físicas, sensoriais ou cognitivas.
Sua jornada começou em 1994, quando escolheu o órgão como primeiro instrumento. O objetivo era claro: tornar-se organista da igreja. Para isso, enfrentou um rigoroso processo de formação, avaliações, testes e muita disciplina. Ao ser aprovada em todas as etapas, descobriu que a música seria sua vida — não apenas como prática artística, mas como vocação profunda.
Depois do órgão, veio o piano. Primeiro com professora particular, depois no conservatório e por fim na universidade, onde recebeu licenciatura em Piano e Educação Artística. Mas Sandra nunca se limitou à formação tradicional. Buscou certificações, entrou em cursos complementares, estudou métodos internacionais, aprendeu flauta doce com a Yamaha e se aprofundou em pedagogia musical para crianças com necessidades especiais. O que ela não sabia naquele momento é que todo esse conhecimento se tornaria essencial para transformar vidas que chegariam até ela.
Um marco aconteceu em 2008, quando uma jovem com deficiência visual procurou Sandra para aulas. Foi a primeira vez que ela teve de adaptar completamente sua metodologia. As partições passaram a ser táteis. Os símbolos musicais foram desenhados com relevo para serem sentidos com as mãos. Cada descoberta no piano era guiada por sons, memorização, repetição e sensibilidade. A aula deixava de ser apenas técnica: passava a ser uma experiência sensorial. Até hoje, muitos anos depois, essa aluna segue estudando com Sandra, agora de forma online e totalmente gratuita.
No ano seguinte, mais um desafio transformador. Um aluno com paralisia cerebral passou a integrar sua turma. Ele chegava à escola irritado, fechado em seu próprio mundo, relutante em participar. Certa vez, escondeu-se debaixo de um banco na recepção. Sandra não forçou nada. Aguardou, conversou, propôs jogos, brincadeiras, deu espaço para que ele próprio decidisse sair. Aos poucos, ele se aproximou do piano. A música entrou onde palavras não entravam. Quando tocou suas primeiras notas, algo mudou. A resistência deu lugar a sorriso, a tensão deu lugar a curiosidade. Era apenas o começo de oito anos de convivência, progresso e construção de um vínculo que Sandra leva no coração até hoje.
Outra história marcante, talvez uma das maiores de sua carreira, envolveu uma aluna que havia perdido grande parte dos dedos da mão direita em um acidente grave. Tocar piano parecia impossível. Antes do acidente, ela já havia sido reprovada em um teste importante para tocar órgão. A autoestima estava abalada. A dor física vinha acompanhada da dor emocional. Sandra a procurou, ofereceu aulas gratuitas e disse uma frase que guiaria todo o processo: vamos tentar do seu jeito.
Assim começou um percurso difícil. Foram necessárias adaptações técnicas, exercícios específicos, métodos distintos e muita paciência. A professora teve que reinventar suas próprias convicções pedagógicas. O aprendizado vinha do som, da repetição, da confiança e da coragem de seguir. Um ano depois, a aluna reapresentou-se ao exame — e foi aprovada. A examinadora reconheceu sua evolução extraordinária. Para Sandra, foi uma das maiores vitórias que já testemunhou.
Ao longo de sua carreira, Sandra lecionou em escolas tradicionais, conservatórios, colégios bilíngues e no renomado Intermezzo, onde ficou por onze anos. Atendeu crianças de quatro anos e adultos de oitenta. Conduziu bandas, ajudou alunos a vencer timidez, adaptou repertórios, modificou métodos, personalizou aulas e, principalmente, ofereceu um espaço seguro para que cada aluno se sentisse capaz.
Mas seu maior feito, segundo ela, não é nenhuma premiação, classe lotada ou reconhecimento formal. É enxergar cada aluno como único. É adaptar o repertório ao aluno, e nunca o contrário. É pensar menos em por que o aluno não aprende e mais em como ele pode aprender. É acreditar que a música não exige perfeição, mas presença. É ver alunos que um dia chegaram retraídos se tornarem confiantes ao tocar uma música do início ao fim.
Com dois filhos, Giovanna e Giuseppe, e uma família que sempre apoiou seu trabalho, Sandra segue ensinando com o mesmo brilho nos olhos de quando começou. A música, para ela, não é apenas profissão. É missão. É ponte. É cura. É inclusão. É a forma que encontrou de dar voz a quem nem sempre encontra caminhos para se expressar.
Sandra Rocha Adami construiu um legado silencioso, mas profundo. Um legado feito de vidas tocadas, barreiras derrubadas e histórias que se transformaram ao som de cada nota. E sua mensagem, ao final de tantos anos, permanece simples e poderosa: para a música, não existem limites. Existem pessoas. E cada uma delas merece a chance de tocar sua própria história.