Nesta segunda-feira (5), Dia Mundial da Língua Portuguesa, celebramos não apenas um idioma, mas uma comunidade. Uma língua não é apenas um conjunto de palavras —é um território partilhado, um exercício contínuo de cidadania. E é por isso que, ao olharmos para os recentes debates sobre imigração em Portugal, devemos recolocar a língua no centro da equação: como critério de integração, como vetor de cultura e, sobretudo, como fundamento da cidadania contemporânea.
Os dados falam por si: dos 4.500 imigrantes recentemente notificados para deixar Portugal, apenas cerca de 10% são brasileiros. Esse número, silencioso, revela uma prática que merece ser assumida como política —a valorização da língua como instrumento de inclusão.
Falar português é mais do que dominar um idioma: é participar de uma cultura, compreender códigos sociais, partilhar valores e histórias. É estar pronto para exercer uma cidadania ativa, mesmo antes de qualquer formalização administrativa.
A cidadania, aliás, é o fio que liga todos os argumentos sobre imigração. Porque não se trata apenas de entrar num país —trata-se de participar nele. E essa participação só se realiza de forma plena quando há cultura comum. A língua, nesse sentido, não é uma barreira: é a porta de entrada. Quem fala a nossa língua já iniciou o percurso da cidadania. E ignorar isso é negar a própria natureza do convívio democrático.
Portugal, como país historicamente emigrante, deveria ter essa consciência profundamente enraizada. Fomos —e somos— milhões lá fora. E o que nos manteve ligados ao país de origem não foi a distância medida em quilômetros, mas a continuidade da língua. Ela nos permitiu manter os afetos, transmitir memórias, educar os filhos. Ela foi —e é— a nossa forma mais duradoura de cidadania.
Por isso, quando se verificam identidades, quando se traçam fronteiras administrativas, é urgente reconhecer que, sem cultura partilhada, toda a política migratória será falha. A cidadania não se constrói apenas com documentos —constrói-se com convivência. E não há convivência duradoura sem linguagem comum.
Precisamos nos juntar cotidianamente em torno do que é diferente e partilha-lo para que se torne comum. Isso fará com que a língua portuguesa não seja apenas celebrada em discursos, mas assumida como um pilar ativo de integração e de cidadania global.
Neste 5 de maio, que saibamos ver na língua o que ela realmente é: um lugar onde pertencemos, antes mesmo de chegarmos. E que saibamos reconhecer nos que partilham essa língua o direito pleno de também pertencer.
TENDÊNCIAS / DEBATES
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Fonte ==> Folha SP