O declínio da unipolaridade dividiu os estrategistas americanos em três correntes: os que almejam reviver a era de ouro da globalização (1989-2008); os que acham que esse trem passou, mas que é preciso fortalecer o Ocidente; e os que acreditam que a decadência europeia e o “legado complacente’ dos globalistas do país fazem com que o equilíbrio possível se estabeleça com dois ou três blocos de poder, definidos por suas esferas de influência e relações com pares mais fracos —o chinês, o americano e, na esfera militar, o russo.
Trump está nesta última corrente. Ele genuinamente admira o autoritarismo de seus pares e tenta desmontar o arcabouço institucional do país às custas de seu soft power e de várias externalidades. Imune a críticas, quer alcançar Xi Jinping em monitoramento tecnológico, com organizações especializadas em vigiar cidadãos e acuar os indesejados.
A empresa mais famosa dessa lavra é a Palantir, fundada por Peter Thiel. Em 2024, suas ações tiveram a melhor performance de todo o S&P 500 (maiores empresas americanas listadas), com uma valorização de 340%; neste ano, subiram outros 51%.
O CEO da firma é claro sobre sua missão, que envolve “matar nossos inimigos”. Para cumprir este objetivo e outros, a Palantir gera perfis dinâmicos que não se pautam por pegadas deixadas em redes sociais pelos alvos, mas por dados de câmeras de rua, declarações de Imposto de Renda, dados de pagamento, invasão passiva de celulares (quando não é preciso clicar em nada), além de ações presenciais, à moda antiga.
Trump contratou-os para fabricar um sistema operacional de monitoramento de imigrantes, que o Departamento de Imigração diz que vai oferecer “rastreamento em tempo real dessa população”, “poupando recursos” e prendendo “criminosos violentos” e estrangeiros com o visto vencido. A empresa também atua no Doge (Departamento de Eficiência Governamental), em policiamento preditivo, junto ao FBI e à CIA, e até no perfilamento médico, área em que causou controvérsia no Reino Unido.
Uma de suas divisões comercializa um serviço que visa neutralizar terroristas em potencial, o que seus críticos alegam ser temerário dados os erros dos algoritmos decisórios. Por meio de um contrato firmado durante o governo Biden, fornece inteligência sobre alvos estratégicos para o governo Netanyahu, e assim o fazia em abril de 2024, quando três veículos bem sinalizados da Cozinha Central Global (WCK) foram pulverizados por mísseis, matando seus sete ocupantes e garantindo que a comida jamais chegasse ao seu destino.
Durante a vigência deste contrato, cerca de 200 funcionários de organizações humanitárias foram mortos, reduzindo a presença internacional no enclave e os registros que chegam ao Ocidente.
Ações como estas divergem do modelo chinês: as empresas contratadas para vigiar os moradores do país não se envolvem com outros governos, posto que isso afetaria o projeto nacional de captura do soft power deixado na mesa pelos americanos.
Já nos Estados Unidos, agências governamentais e empresas como a Palantir foram incumbidas de treinar satélites com IA para monitorar a fronteira e a atividade de traficantes no México. A ideia é agir preventivamente, neutralizando alvos antes que ameacem a segurança nacional.
Só os tolos acreditam que a missão dos grandes tecnologistas é reduzir o tamanho do Estado.
Fonte ==> Folha SP