Search
Close this search box.
Search
Close this search box.

Sylvia Colombo: Kirchnerismo chega ao fim; peronismo, não – 14/06/2025 – Sylvia Colombo

Uma mulher com cabelo longo e castanho, vestindo uma jaqueta vermelha, está em uma varanda. Ela está sorrindo e acenando com a mão direita. A varanda possui um corrimão decorado e ao fundo é possível ver uma janela aberta.

Com a confirmação da condenação de Cristina Kirchner, o kirchnerismo parece ter chegado ao fim. No entanto, decretar a morte do peronismo como um todo, pelo menos até aqui, tem sido um erro recorrente na interpretação da história da Argentina. Toda vez que o movimento parece à beira da extinção, ressurge devido a sua ampla base social.

Desde a queda de Juan Domingo Perón (1895-1974) em 1955 —deposto por um golpe militar— até seu retorno triunfante em 1973, o peronismo demonstrou notável capacidade de sobrevivência.

Nos anos 1990, o colapso do modelo neoliberal do peronista Carlos Menem (1930-2021) levou a um desgaste profundo do movimento. Ainda assim, após a crise de 2001, quem tomou as rédeas para a recuperação do país foi o próprio peronismo, primeiro com Eduardo Duhalde, depois com Néstor Kirchner (1950-2010).

Em 2019, mesmo com a alta rejeição à Cristina, o movimento venceu a eleição no primeiro turno, jogando para escanteio o então presidente Mauricio Macri, tão festejado pelos mercados no início do mandato como alguém que enterraria o peronismo e levaria a Argentina ao paraíso liberal. Pois foi o mesmo peronismo que tirou Macri do tabuleiro com uma lavada nas urnas, mesmo com um candidato frágil, Alberto Fernández.

Essa resistência se explica por sua presença capilar nas zonas mais vulneráveis do país. O peronismo é a única força com uma estrutura real de acolhimento e assistência nos bairros populares. Nas favelas, nos subúrbios, nas prisões, nos bandejões, é praticamente impossível encontrar representantes que pertençam a partidos vinculados à elite. Mas certamente se encontram líderes ligados ao peronismo.

Se isso acaba sendo em benefício ou em prejuízo da população em longo prazo, essa é uma outra história.

Durante os oito anos de Presidência de Cristina Kirchner (2007-2015), a gestão se sustentou graças a uma combinação de políticas clientelistas, ampla utilização de subsídios em serviços e uma retórica nacionalista que galvanizou o apoio popular. No entanto, esse modelo também foi marcado pelo enriquecimento ilícito e desvio de verba em obras públicas.

Mesmo que o kirchnerismo tenha sido agora empurrado para o abismo, o peronismo tem grandes chances de sobrevida com outros atores. É o caso do governador da província de Buenos Aires, Axel Kicillof, cuja real força será medida nas eleições legislativas locais, em setembro.

A rejeição crescente às políticas de ajuste de Javier Milei, os efeitos sociais da inflação —que cai, mas persiste— e a falta de alternativas sólidas de oposição podem abrir espaço para uma nova versão do peronismo ganhar força. O movimento tem experiência em ocupar esse vácuo. Inicia-se agora um processo de reorganização com foco em 2027.

O fator Cristina continuará a ser relevante. A ex-presidente pode atuar na política por meio das redes sociais, como faz seu amigo Rafael Correa no Equador, mesmo condenado e exilado.

O peronismo deve jogar com a imagem da perseguição política, narrativa que pode ganhar força se o custo de vida seguir elevado e a política de ajustes continuar.

Por ora, o partido de Milei é o favorito para as eleições legislativas no resto do país, em outubro. Mas, até a votação para a sucessão presidencial há muito chão, e o ultradireitista terá de lutar contra a crescente insatisfação que vai tomando, aos poucos, as ruas.

Como já aconteceu em outras ocasiões, o peronismo pode parecer derrotado hoje, mas é sempre cedo para descartá-lo.



Fonte ==> Folha SP

Relacionados