O mundo ainda assistia em choque às imagens do helicóptero do Exército americano que colidiu com um avião prestes a pousar em Washington quando Donald Trump resolveu comentar o caso.
O presidente republicano deixou de lado os pudores que devem acompanhar qualquer avaliação de acidente aéreo e apontou o dedo para um culpado da tragédia que vitimou 67 pessoas na quarta (29): a cultura “woke”.
O termo, “desperto” em português, se refere a políticas identitárias no país. Para Trump, o fato de a agência que regula o setor nos EUA (FAA) promover contratações de deficientes foi o fator central do episódio.
Sem nenhuma evidência para sustentar tal acusação, o mandatário americano desconsidera os fatos em nome de sua guerra cultural contra o chamado progressismo. A FAA tem 45 mil funcionários, 14 mil deles controladores que passam por no mínimo dois anos de intenso treinamento, e um número ínfimo faz parte do programa inclusivo.
Trump é reincidente. Em 2015, quando era pré-candidato a presidente, imitou um repórter que tinha uma doença congênita. Na campanha de 2024, chamou a rival Kamala Harris de “retardada”.
Não que as políticas identitárias nos EUA e no mundo, que não raro descambam para patrulhas ideológicas agressivas e políticas públicas equivocadas, devam ficar à margem de críticas.
Mas não é de análise sensata e debate fundamentado que se trata a situação atual. As ligeirezas preconceituosas de Trump são parte de um método político.
Ato contínuo ao ataque à FAA, ele ainda aventurou-se a dizer que a inflação elevada no país também estava relacionada à prioridade dada pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano) à agenda “woke”.
Na mitologia trumpista, o esquerdismo está imbricado na estrutura governamental —o dito Estado Profundo— e precisa ser extirpado. Com esse objetivo, designou o bilionário excêntrico Elon Musk para destrinchar o funcionalismo americano.
O foco anti-imigração nesta largada de governo e a aposta protecionista e xenofóbica em guerras comerciais tarifárias corroboram suspeitas de que haveria um projeto maior em curso.
Quando isso afeta instituições respeitadas, como a FAA e o Fed, além do já relatado efeito espraiado sobre o setor privado e suas inúmeras ações de diversidade, o que poderia ser um debate legítimo transforma-se em campanha disruptiva que polariza ainda mais o cenário político dos EUA e demanda vigilância permanente.
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Fonte ==> Folha SP