O MuCo (Museu da Corrupção) foi criado na internet há 16 anos, em 21 de abril. Em dois meses, alcançou 1.839.765 visitantes. Em quatro meses, foi atacado por um vírus que corrompeu seus arquivos. Mas voltou, blindado. E, em seis meses, compartilhou com o site Congresso em Foco o Prêmio Esso de Melhor Contribuição à Imprensa de 2009.
O MuCo nasceu para registrar casos de corrupção —e eles eram tantos, na época do mensalão, que o da manchete de jornais de um dia relegava o escândalo do dia anterior ao esquecimento. Seria uma ferramenta de pesquisa e de conscientização pública. Talvez até um dissuasor de corruptos, como defendem seis museus físicos e virtuais abertos no mundo.
O Museu da Corrupção da Tailândia, inaugurado em 2015, exibe estátuas em tamanho real de corruptos condenados. O da Ucrânia nasceu na casa com campo de golfe e zoo privado do ex-presidente Viktor Yanukovych, derrubado em 2014 por abuso de poder e desvio de dinheiro público. O da Romênia expõe pinturas de casos célebres de suborno —a corrupção elevada a nível de arte. Em Albany, Nova York, há um museu online de corrupção política. O Museu Oscar Niemeyer (MON), em Curitiba, expõe obras confiscadas pela Polícia Federal na Operação Lava Jato. Ele as restaura e as exibe. Entre elas, 131 ao todo, estão Picasso, Salvador Dalí, Joan Miró, Djanira, Di Cavalcanti, Iberê Camargo, Cícero Dias e um Renoir —talvez falso. O MuCo foi o pioneiro.
O Brasil está em sua pior colocação na série histórica do Índice de Percepção da Corrupção (IPC): ficou em 107º lugar entre 180 países pesquisados pela Transparência Internacional, em 2024, empatado com Argélia, Malaui, Nepal, Níger, Tailândia e Turquia. Um ano antes, ocupava a 104ª posição. No próximo ranking, com a escandalosa fraude no INSS, a tendência é cair mais.
O MuCo só foi possível porque tinha um jornal por trás, o centenário Diário do Comércio, da Associação Comercial de São Paulo, então sob a presidência de Guilherme Afif Domingos. O arquiteto mineiro Rodrigo Araújo Moreira o criou como se fosse de concreto, em espaço físico. Depois, foi acrescentando anexos: um para corrupção na Copa do Mundo; outro para uma ONG da França que pediu para expor casos da corrupção francesa; e mais um para a lojinha do museu, que mostrava na vitrine um par de algemas douradas, cuecas para esconder dólares, camisas de colarinho branco e kit para grampear telefones. Não os vendia, por ser proibida a circulação de dinheiro.
Um sucesso que acabou na TV Globo foi a “pizza Sarney”, com bigode de anchovas, criação de um pizzaiolo do bairro do Bexiga, em São Paulo, lançada numa exposição do MuCo na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP). Sua biblioteca guarda livros esgotados sobre corrupção, que podem ser baixados com a bênção de seus autores, e documentos da Torre do Tombo, em Portugal, comprovando que a corrupção chegou ao Brasil com as primeiras caravelas.
Quando o Diário do Comércio passou a existir apenas online, e a equipe do impresso dispensada, o MuCo foi oferecido aos jornais nacionais e, depois, à OAB sem custo algum, só com a condição de ser atualizado. Zero Hora e O Globo se interessaram. Mas, ao mesmo tempo, as absolvições em série de réus que até se autoacusaram, devolvendo dinheiro de propinas ou rapinado, deu origem a um fenômeno.
Alguns dos absolvidos passaram a processar quem publicou seus nomes como corruptos, mesmo que a fonte original fosse a própria Polícia Federal. O MuCo ganhou as duas primeiras ações, em Minas Gerais e em Brasília. E foi tirado do ar para impedir novos processos de indenização, ou de extorsão, que custariam advogados e despesas de viagens.
Segundo a estimativa da Control Risks, entre 2015 e 2024 o Brasil perdeu US$ 220 bilhões (ou R$ 1,258 trilhão) em investimentos por causa da corrupção, que corrói a confiança nas instituições públicas, incluindo o Judiciário. Um aplicativo de inteligência artificial, “Perplexity”, menciona o MuCo: “Ao recordar os escândalos passados, ele alerta para os perigos da corrupção presente e futura”. E informa que há um projeto na Câmara, em Brasília, para um Museu Nacional de Combate à Corrupção, com sede em um sítio de Atibaia (SP) tomado pela União, de autoria do à época deputado Major Olímpio (1962-2021).
Mas as chances de que seja aprovado e executado são iguais a um eventual patrocínio do MuCo por uma empreiteira.
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Fonte ==> Folha SP