São Paulo
“Eu não cresci com uma figura paterna. Meu pai foi embora. Ele não está na minha vida desde que eu tinha 7 anos”, conta Barbie Ferreira, 28, ao F5. “Não vejo meu pai há cerca de 21 anos. Não conversamos nem nada. Então eu me senti muito conectada ao roteiro porque parecia algo que era muito real para mim.”
A atriz, criada nos Estados Unidos por uma mãe brasileira, diz que essa ausência da vida real a ajudou a entender um pouco do universo de Lily, sua personagem em “Um Pai para Lily”, que estreou no dia 1º e está em cartaz nos cinemas brasileiros. No filme, a jovem até tem pai, mas ele se importa tão pouco com ela que, em muitos momentos, é quase como se não tivesse.
“O que também é insano é que, conforme avançávamos no projeto, percebemos que muitas pessoas têm problemas com os pais. É bem comum, o que é realmente uma pena”, continuou Barbie. “E é algo sobre o qual não falo muito nem na minha vida pessoal, talvez só na terapia, mas simplesmente não fazia parte da minha vida. Foi muito legal transformar dor e sofrimento em algo bonito.”
No caso de Lily, some-se ao pai ausente outros abandonos que ela sofreu ao longo da vida: a mãe que morreu quando ela era criança, o namorado que a deixou e que teima em confundir seu número com o da nova “peguete”, os amigos que nunca teve facilidade em fazer. Apesar de não perceber o vazio em que se encontra, a personagem leva a terapeuta às lágrimas na primeira consulta quando começa a contar, despretensiosamente, todas as barras que enfrenta desde cedo.
A personagem quase não tem consciência da própria desgraça até que conhece Bob Trevino, vivido por John Leguizamo, 64. Após adicioná-lo por engano no Facebook, os dois passam a trocar pequenas gentilezas que fazem toda a diferença na vida dela. Aos poucos, a amizade vai transformando cada um deles em uma pessoa melhor.
“John é um ícone, cresci assistindo a seus filmes”, diz ela sobre o colega. “Sou uma pessoa muito independente que acha que precisa fazer tudo sozinha, mas ele tornou as coisas tão mais fáceis para mim. Era como uma figura paterna no set também: um homem incrível que acreditava em mim e me dava tudo o que eu precisava para que as coisas saíssem bem. Ele foi muito doce.”
Barbie conta que até conheceu o ator antes das filmagens, mas não quis ficar tão íntima por um motivo muito específico. “Queria preservar aquela energia estranha e desconfortável de quando eles se conhecem, então não podíamos ficar muito familiarizados um com o outro”, afirma, explicando que a relação foi se aprofundando junto com o desenvolvimento da trama.
Conhecida pela empoderada Kat Hernandez de “Euphoria”, da HBO, a atriz diz que se interessou pelo filme justamente por mostrar algo completamente diferente do que já tinha feito no audiovisual. “Quando li o roteiro, fiquei imediatamente impressionada com o quão doce e machucada ela era, e pela forma como ela expressava isso”, comenta. “Achei que era muito realista e fora do padrão de Hollywood.”
“Lily é uma mulher profundamente solitária e com anseio por conexão”, prossegue. “Mas o que a torna especial é que, apesar de vulnerável, ela é incrivelmente aberta e receptiva. Quando crescemos, nos tornamos um pouco mais cínicos e um pouco menos esperançosos. Ela obviamente tem seus problemas, mas é como um farol de luz neste mundo em que todos tentam parecer descolados e sérios e não mostrar suas emoções. Sinto que ela é exatamente o oposto disso.”
A trama foi inspirada na história real da diretora e roteirista Tracie Laymon. Para Barbie, ter por perto alguém que passou por situações parecidas com as vividas pela personagem foi uma experiência à parte. “Não estávamos interessados em imitá-la ou algo do tipo”, conta, ressaltando que a personagem não é uma versão ficcionalizada da cineasta.
“Mas a verdade das emoções era muito real para mim e para Tracie porque ambas passamos por problemas com nossos pais e ambas tivemos essas jornadas de cura nas quais trabalhamos por anos e anos. E é realmente sobre isso que falamos no filme”, diz.
Ícone da luta pela diversidade de corpos e parte da comunidade LGBQTIA+, a atriz diz que aprendeu muito sobre famílias que não são ligadas pelo sangue com o longa. “Sou um niilista da geração Z, tipo, gosto de tratar os outros com compaixão”, diz ela. “Mas, mesmo assim, esse filme me desarmou porque ainda somos ensinados a não demonstrar fraqueza, então é importante ver como pequenos atos podem mudar a vida das pessoas.”
Fonte ==> Folha SP