A Bienal Internacional do Livro do Ceará, ao longo de 15 edições, vem se consolidando como um dos mais importantes eventos culturais do gênero no país e já tem lugar na agenda literária estadual e nacional.
Com o tema “Das fogueiras ao fogo das palavras: mulheres, resistência e literatura”, a bienal, realizada em Fortaleza, de 4 a 13 de abril, trouxe uma linda programação, com palestras, oficinas, lançamentos de livros, contações de histórias, apresentações artísticas e outras ações do campo literário.
Neste ano, o evento reforça o papel da cultura e da ancestralidade na literatura. Essa mesma literatura, que nos permite voar em nossa imaginação e conhecer outros mundos, tem papel fundamental em nossa educação e na construção do imaginário coletivo da sociedade e na recontagem de nossas próprias histórias.
O tema “Das fogueiras ao fogo das palavras” me leva de volta às histórias sobre meu povo, sobre os espíritos da floresta, sobre a forma como entendemos a criação do mundo e nossa relação com ele.
Lembro essas histórias contadas pelo meu avô quando eu, meus irmãos e meus primos éramos crianças.
Me faz pensar nas várias noites em que eu e meus irmãos insistíamos com nossa mãe por mais uma história antes de dormir. Sem mais histórias para contar, ela criava outras, sobre os bichos e a floresta, para nos ninar.
“O fogo das palavras” me lembra que palavras têm poder. Que são como flechas que denunciam uma realidade ainda invisibilizada e transmitem uma cultura de imensa riqueza, como nos mostram os grandes discursos dos líderes e escritores indígenas.
Quando discursei na COP26, em Glasgow, pude denunciar ao mundo a violência vivenciada por nós naquele momento e lembrar que nossos modos de vida têm a chave para superar a crise do clima. Por isso devemos estar nas mesas de decisões.
Desde que comecei a escrever aqui na Folha, busco trazer questões pertinentes à vida dos povos indígenas e de toda a sociedade através do olhar de uma jovem mulher indígena. Faço isso em uma imprensa tradicional, na qual apenas 0,2% dos profissionais se identificam como indígenas. Hoje, Ailton Krenak e eu somos os colunistas indígenas aqui desta Folha. Contamos nossas histórias em defesa dos povos e da floresta.
É necessário dar voz aos pensadores e escritores indígenas para que transmitam o verdadeiro pensamento dos povos originários, não os estereótipos criados sobre nós pelo colonizador.
Representações como “Iracema” ou “O Guarani” não refletem a realidade dos nossos povos, mas ainda habitam o imaginário coletivo. São imagens que reforçam preconceitos e não mostram nossa riqueza cultural e intelectual.
É empoderador e nos dá orgulho sermos os protagonistas de nossas próprias histórias, mostrando nossas origens e quem somos.
Que possamos ler cada vez mais escritores indígenas e negros para conhecer e valorizar as nossas raízes.
E entender que podemos escrever sobre o que quisermos e criar novas belas histórias, assim como minha mãe fazia.
Colunas e Blogs
Receba no seu email uma seleção de colunas e blogs da Folha
Fonte ==> Folha SP