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Visão iconoclasta de Trump imola Ucrânia no altar de Putin – 02/03/2025 – Opinião

A imagem mostra dois homens sentados em um ambiente formal. À esquerda, um homem com cabelo escuro e barba, vestindo uma camiseta preta com um símbolo da Ucrânia, parece estar ouvindo atentamente. À direita, um homem com cabelo loiro e terno azul, com uma gravata vermelha, está gesticulando com a mão direita, parecendo expressar um ponto de vista. Ao fundo, há uma lareira e uma decoração clássica.

A definição do que é interesse nacional é um complexo jogo em que se equilibram, de forma conflituosa, imperativos geopolíticos e a sustentação de princípios morais. Quase invariavelmente os primeiros falam mais alto. A questão é a resultante. Na Guerra da Ucrânia, a visão do principal ator externo ao conflito estava clara.

Para o governo dos Estados Unidos sob Joe Biden, impedir que Vladimir Putin prevalecesse em sua agressão suplantava as vantagens do apaziguamento. Havia, claro, cinismo: nunca se cogitou dar a Kiev recursos para elevar o preço da invasão a tal ponto que o russo desistisse dela.

O veterano Biden temia a Terceira Guerra Mundial, não sem razão. O Kremlin aproveitou-se disso e modulou, com ameaças reiteradas de uma escalada nuclear, a ajuda que a Ucrânia recebia.

O próprio “casus belli” de Putin, impedir vizinhos de serem mais um membro da Otan, era na prática respeitado. Por toda a falação, os EUA nunca levaram a sério admitir Volodimir Zelenski no seu clube militar.

Ainda assim, o suporte à resistência foi vendido como uma virtude moral, argumento fraco para definir interesses nacionais.

Entra então Donald Trump e sua revolução na política externa, alinhando-se a Putin e ameaçando todo o edifício sobre o qual foi construída a estabilidade mundial no pós-Segunda Guerra.

Que as fundações dessa estrutura estão apodrecidas, há pouca dúvida, e defensores mais racionais de Trump o apontam como uma espécie de bola de demolição necessária. Pode ser, mas o grau de destruição escamoteia os riscos de seu vago projeto.

A civilidade do pós-guerra, um ativo moral e geopolítico, foi brutalmente golpeada por Trump, que já havia transformado a negociação da paz em um debate sobre vantagens econômicas.

O americano deitou uma armadilha ao vivo na sexta (28) para Zelenski, humilhando seu visitante na Casa Branca com uma admoestação agressiva e inaudita em relações internacionais.

“É boa televisão”, disse Trump após seu show de horrores. Zelenski também foi inábil, abrindo a porta para a surra ao falar grosso. Depois, foi pedir ajuda à Europa, que promete colaborar mais.

O fim da guerra é do interesse dos EUA e do mundo. Mas estabelecer um regramento no qual vale a força bruta, elegendo a ditadura chinesa e a autocracia russa como atores respeitáveis, é uma visão de Trump que carrega riscos.

Com ela, a tradicional política de alianças americana se desfaz em troca de nada, e muitas nações poderão recorrer à China durante a disputa ao ver a Ucrânia ser imolada pela iconoclastia de Trump no altar de Putin.

Já a alienação proposta da Europa tem potencial para afastar parceiros que, sim, se aproveitaram da generosidade americana. Fazê-los ser mais proativos é uma coisa; tê-los como adversários é algo bem diferente, em especial quando os outros cachorros grandes começarem a rosnar.

editoriais@grupofolha.com.br



Fonte ==> Folha SP

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