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Zuckerberg, o novo Dorian Gray – 29/01/2025 – Opinião

Zuckerberg, o novo Dorian Gray - 29/01/2025 - Opinião

“Cada pecado de sua alma, um fio escarlate, cada momento de sua vida, uma mancha.” Esse trecho de “O Retrato de Dorian Gray”, de Oscar Wilde, se aplica muito apropriadamente a um grupo de personagens reais: o tecnobaronato, sintetizado na postura oportunista de Mark Zuckerberg.

O dono da Meta, sob o manto da adequação cívica de seus negócios, camuflava até há pouco a degradação moral acumulada de seu retrato escondido, extensível a alguns de seus pares bilionários. O momento chegou para desnudar seu retrato, inaugurando em definitivo e sem pudores a sociedade de radicalização de risco político, econômico e tecnológico.

Não se enganem ao minimizar o cálculo de impacto, pois este atinge não apenas a polarização da política ou do Judiciário, mas sobretudo a economia, afetando a confiança sistêmica por possíveis e imprevistos efeitos de manada em tempo real —e atingindo também, potencialmente, o estoque reputacional de empresas e lideranças.

Nessa nova conjuntura internacional, a palavra de ordem dos barões é combater a regulação por ser “antidemocrática”, tal qual concluíram recentemente em contrição arrependida e aderente à narrativa da alt-right. Porém, trata-se de um engodo, quando na verdade a correta regulação constrange o uso indiscriminado de dados e o lucro com informações alheias, que são a essência do interesse dos negócios das plataformas e de suas possíveis distorções de uso, oportunas a grupos políticos e econômicos predatórios.

Em consequência, a nova política de algumas plataformas não mais interferirá no discurso de ódio, no preconceito e na desinformação —os quais, turbinados por inteligência artificial, tornam-se agora dúbios, alegadamente por uma corruptela do conceito de liberdade de expressão, cuja extensão corrosiva à sociabilidade mais básica é relegada a um pobre contraditório —na forma de “notas da comunidade” facilmente soterradas por uma miríade de notas contraditórias facilmente orquestradas.

O fato é que, para haver democracia, deve haver liberdade de expressão. Todavia, essa não pode ser utilizada para minar a própria democracia sem a qual a estrutura básica de liberdades constitucionais não sobreviverá. Por fim, paralelamente à corrosão da estrutura cívica, a corrupção do conceito de liberdade de expressão tem espelhamento também na economia. Vejamos.

Indo da reputação de uma empresa ou produto até a construção de políticas públicas, estamos todos imersos na estrutura geral de percepção de risco. Assim sendo, a desregulação radical de informações em circulação nas plataformas e o uso indiscriminado de metadados e microtargeting, agora exponencialmente magnificados em seu impacto e falseamento pelas tecnologias de IA, são certamente um vetor de disrupção radical da previsibilidade e confiança mínima.

O brexit e suas consequências foram um exemplo macro do que hoje é potencialmente ainda mais danoso. Mal comparando, o impacto da avassaladora narrativa crítica sobre o Pix no país —alimentada inclusive por erros de comunicação do próprio governo federal, mas aproveitada em diferentes formas pela oposição ao explorar a incerteza— é uma outra amostra do que está por vir.

Para concluir e não nos paralisarmos em um dilema shakespeareano, sugiro três medidas de reação: 1 – a mensuração comparativa e a publicização de rankings de permissividade das plataformas; 2 – a análise da estrutura algorítmica das mesmas em casos de denúncia, coibindo o viés e/ou o espargimento programado e internalizado em categorias semânticas, que potencializa a dependência informacional tóxica; 3 – a articulação estratégica de instituições de pesquisa independentes e de checagem de dados em diálogo com reguladores como a Advocacia-Geral da União, o Supremo Tribunal Federal e Tribunal Superior Eleitoral, dentre outros.

Isso é possível? Onde há poder existe contrapoder. Insisto, portanto, em ser cautelosamente otimista.

TENDÊNCIAS / DEBATES

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.



Fonte ==> Folha SP

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