A engenheira civil Stéphane Domeneghini está por trás dos principais arranha-céus do país. Seu trabalho ganhou notoriedade em Balneário Camboriú (SC), onde realizou projetos como o Epic Tower e o One Tower, para a FG Empreendimentos. O maior prédio residencial do mundo em construção — o Senna Tower, com 550 metros de altura, também em Balneário — é o mais recente. Desde o início do ano, é diretora executiva da Tall Solutions, empresa “spin-off” da FG, que presta consultoria a incorporadoras interessadas em construir edifícios super altos. A carteira de clientes inclui empresas do Brasil, do Paraguai e do Uruguai, revelando o interesse do mercado imobiliário do continente pela hiper verticalização das cidades — para ela, não um modismo, mas necessidade de adensamento.
Os arranha-céus estão ganhando o país. Qual é a explicação para o fenômeno?
Stéphane Domeneghini — A verticalização é um processo natural sobre como viver com mais equilíbrio e sustentabilidade no ambiente urbano. A modernização tecnológica tem levado a uma contínua migração das pessoas para as cidades, e a verticalização é uma solução natural para acomodar todo esse contingente.
Vejo como necessidade de adensamento para responder à pressão da demanda por moradia nos grandes centros urbanos, que só não aconteceu antes porque havia limitação tecnológica de deslocamento na vertical. Com a criação dos elevadores super-rápidos, isso mudou. O limite da verticalização depende da capacidade técnica de mobilidade vertical.
Você tem feito consultorias pelo Brasil. O objetivo do mercado é aprender a fazer arranha-céus?
Não somente isso. Há um movimento crescente para levar assinaturas de design aos edifícios, e o incorporador que optar por essa estratégia sabe que gastará mais com fachada, interiores e materiais, para atender ao padrão daquela marca. E a engenharia dos “supertalls” pode ajudar o empresário a fechar essa conta.
É possível construir um prédio mais rápido e eficiente, mas é preciso inovar em técnicas estruturais e de fundação. Isso gera o caixa para gastar mais em design assinado e paisagismo. Investir em engenharia traz mais resultado e as empresas começam a perceber isso. Porque, no final do dia, negócios também importam.
Quais os principais desafios técnicos do projeto do Senna Tower?
O primeiro grande desafio foi a estrutura. Pela ação do vento, é preciso considerar uma estrutura que seja flexível, o que rompe com paradigmas da engenharia. Contratamos o Fatih Yalniz, responsável por prédios como One World Trade Center e 111W57th Street, um dos maiores especialistas estruturais de prédios altos e finos, que são os que mais sofrem com o vento. Foram cinco anos de estudos e testes em túneis de vento, com várias abordagens inovadoras aplicadas ao projeto para resolver este desafio.
Depois, tem a fundação. Nas primeiras investigações do terreno, descobrimos uma rocha gnaisse, bem antiga, a 40 metros de profundidade, que é uma das mais duras da natureza. O que poderia ser uma vantagem para ancorar o prédio, se tornou um problema. Porque só há dois equipamentos no mundo capazes de perfurá-la: um nos Estados Unidos e outro na China. E o custo de fabricação apenas da ponta diamantada do perfurador é da ordem de US$ 70 milhões, o que inviabilizou seu uso. Optamos por uma solução de estaca de hélice contínua, com alta capacidade de absorção de carga e estabilidade, feita sob supervisão de Harry Poulos – australiano responsável pela fundação do Burj Khalifa, em Dubai.
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Existe um limite técnico de altura para um arranha-céu?
Hoje, o limite está em torno de um quilômetro, vinculado à mobilidade vertical e à sensação que isso causa no ser humano. As pessoas que usam elevadores todos os dias precisam se sentir confortáveis.
Subir 20 ou 40 andares não é tão diferente, do ponto de vista da sensação do ser humano. Obviamente, não se pode ir acima de dois quilômetros, porque se começaria a enfrentar situações como o ar rarefeito, que impacta as pessoas. Mas não sei se no futuro alguma nova tecnologia de pressurização dos apartamentos vá permitir romper essa barreira de altura.
Como será o sistema de elevadores do Senna Tower?
Serão sete elevadores na torre, com velocidade de dez metros por segundo. Então, a pessoa levará menos de 60 segundos para ir do térreo até o último piso, acima dos 500 metros de altura. O Central Park Tower e o Observatório do World Trade Center usam equipamento similar. O critério principal é o conforto, para que o morador não precise passar tanto tempo dentro da cabine para entrar ou sair de casa.
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O Senna Tower sofreu muitas críticas nas redes sociais. Qual a sua reflexão sobre isso?
Para ser bem honesta, na grande maioria das vezes, a reação das pessoas na vida real tem sido positiva. Elas admiram, entendem o propósito e a boa fé de levar este tipo de projeto para as cidades. Vejo que as críticas têm uma intenção de polarizar arquitetos e engenheiros, mas acredito que todos trabalhamos pelo mesmo objetivo: entregar algo bom para as pessoas, cidades e negócios. Não existem cidades perfeitas, mas ao invés de fomentar o discurso do ódio, teria sido melhor trazer os aspectos positivos do que tem sido feito, do ponto de vista da inovação na engenharia, por exemplo. Mas o que percebo é que esse tipo de crítica não teve aderência na comunidade, nem na vida real. Servem só para viralizar nas redes sociais e dar audiência a influenciadores.
No Senna Tower, como arquitetura e engenharia se conectam?
É um projeto que nasceu de soluções de engenharia, não do design, pela característica de ser um arranha-céu e precisar parar de pé. A Lalali Senna de fato criou o conceito de herói, eu traduzi isso no design. Depois, no desenvolvimento, vários conceitos de arquitetura foram incorporados ao projeto. Todos os grandes arranha-céus do mundo seguem esta orientação: nascem da engenharia e, depois, a arquitetura e o design vêm junto.
Fonte ==> Exame