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Artur Avila e a equação de Schrödinger – 18/11/2025 – Marcelo Viana

Homem de camiseta cinza escura está em pé diante de um quadro negro coberto por fórmulas matemáticas escritas com giz branco.

Em 2013, todo mundo no mundo da matemática sabia que o brasileiro Artur Avila estava sendo considerado para a medalha Fields, o prêmio mais prestigioso da disciplina. Alguns de nós, conhecedores do seu trabalho, nos movimentávamos para que seu valor fosse reconhecido, mesmo vindo de um país “diferente” (Artur é o único ganhador da medalha que nasceu e teve todos os seus estudos num país em desenvolvimento). Já o próprio estava totalmente focado em descobrir mais matemática. Lembro a minha surpresa quando ele me explicou o que estava tentando fazer: desenvolver uma teoria global da equação de Schrödinger.

A equação de Schrödinger determina o comportamento de partículas subatômicas a partir da ação exercida nelas pelo meio ambiente, que os físicos chamam potencial. Para saber como as partículas evoluem “basta” encontrar as soluções da equação. O problema é que isso é muito difícil, em geral. Eu nunca trabalhei nesse tema, mas conhecia o suficiente para saber que praticamente todos os trabalhos até então lidavam com dois casos apenas: potencial muito pequeno, que pode ser tratado por métodos perturbativos; ou potencial muito grande, que requer métodos bem diferentes.

O objetivo do Artur era, nem mais nem menos, fazer a ponte entre esses dois casos extremos e assim estabelecer uma teoria válida para todas as escalas de potenciais! Enquanto o comitê avaliava se ele merecia ou não ganhar a medalha por aquilo que já tinha feito, ele visava, simplesmente, revolucionar uma das áreas mais importantes e difíceis da física matemática. Já tinha obtido um avanço importante em 2009, mas faltava um pedaço da teoria, que terminou justamente em 2013. O trabalho completo foi publicado dois anos depois, na revista Acta Mathematica, uma das mais tradicionais de toda a matemática. E vem dando frutos desde então.

Dez anos antes, em colaboração com a colega Svetlana Jitomirskaya, o Artur resolvera o famoso problema dos dez martinis: os níveis de energia de um elétron num cristal sujeito a um campo magnético formam um conjunto de Cantor, tal como havia sido sugerido por Douglas Hofstadter. Mas a solução era uma colcha de argumentos diferentes, dependendo do valor do fluxo magnético. Pior ainda, só funcionava para uma versão simplificada da equação de Schrödinger: para modelos mais realistas do potencial a prova deles colapsava. Isso punha em causa, inclusive, se as conclusões teriam realmente significado físico ou seriam mera “numerologia”, como tinham achado inicialmente os colegas físicos de Hofstadter.

Em 2019, o jovem matemático Lingrui Ge chegou à Universidade da Califórnia para integrar o grupo de pesquisa de Svetlana Jitomirskaya. O projeto era revisitar a teoria global que o Artur desenvolvera no meio tempo e usá-la para clarificar a situação do problema dos dez martinis. E o resultado foi excelente: desse modo eles obtiveram uma nova solução do problema, bem mais geral e conceitualmente mais satisfatória.

A essa altura, até os físicos já estavam convencidos. Alguns anos antes, experimentalistas da Universidade Columbia tinham observado o conjunto de Cantor em laboratório: eles mediram os níveis de energia dos elétrons de grafeno sujeito a um campo magnético e verificaram que se comportam exatamente como fora previsto por Hofstadter!

Mais um exemplo da inexplicável eficácia da matemática para descrever a realidade física…



Fonte ==> Folha SP – TEC

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