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Oscar impulsiona a história ainda proibida da ditadura militar – 02/03/2025 – Opinião

Oscar impulsiona a história ainda proibida da ditadura militar - 02/03/2025 - Opinião

A história da ditadura militar brasileira contada no filme de Walter Salles, que concorre neste domingo (2) em três categorias do Oscar, permanece proibida a pesquisadores e, sobretudo, familiares de vítimas.

Na disputa do prêmio principal e de Melhor Filme Internacional, “Ainda Estou Aqui“, com Fernanda Torres (Melhor Atriz) e Selton Mello, expõe indiretamente o paradoxo de um país que adota a política de impedir o acesso ao mais relevante conjunto de arquivos do período militar (1964-1985), estabelecida no governo do general Emílio Garrastazu Médici e mantida por Lula e demais presidentes do tempo democrático.

Toda a papelada produzida pela equipe do general Milton Tavares, ex-chefe do Centro de Informações do Exército (atual CIEx), permanece em segredo de Estado. No auge da repressão, de 1971 a 1974, o centro organizou o extermínio das guerrilhas rurais e urbanas, topo da hierarquia que tinha as polícias na base.

É simplesmente o coração do acervo do regime, composto ainda pelos documentos dos Centros de Informações da Aeronáutica e da Marinha, hoje Ciaer e CIM, órgãos parceiros do CIEx. Esses três arquivos estão no Setor Militar Urbano e na Esplanada dos Ministérios, em Brasília —os documentos revelados pela imprensa nas últimas décadas eram de particulares, do SNI (Serviço Nacional de Informações) e do Dops (Departamento de Ordem Política e Social).

Os arquivos sigilosos podem guardar testemunhos e fotos de guerrilheiros executados no Araguaia, dados sobre ativistas com passagem por Cuba capturados com apoio da Central Intelligence Agency, a CIA, e esclarecer o caso Rubens Paiva, a história do filme. Em 2014, militares disseram que o corpo do ex-deputado foi jogado ao mar, no Rio de Janeiro. Há outra versão de que teria sido inumado em uma base de treinamento no Distrito Federal.

O Oscar reconhece a arte de Salles e Fernanda e tem força para ajudar na consolidação democrática. A tortura resiste nas delegacias, e o sistema representativo do Pacote de Abril vale no Congresso; entretanto, a abertura dos arquivos aproximaria a história oficial da história mais humana.

Desde os anos 1970, o discurso é que tudo foi para o fogo. Relatos de agentes minaram a narrativa. Em 1992, a caserna entrou em contradição ao divulgar listas de datas de mortes de desaparecidos. Em 2015, a Aeronáutica enviou um lote selecionado do acervo “inexistente” ao Arquivo Nacional. Na maior ação de transparência da história da Presidência da República, Dilma Rousseff (PT) criou a Comissão da Verdade, por sugestão de Nelson Jobim, no contexto da pressão da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Os generais se recusaram a fornecer os documentos e entraram na militância pela queda da presidente, como revela o livro “General Villas Bôas – Conversa com o Comandante”, de Celso Castro.

Os arquivos não foram destruídos porque, como numa empresa, não se joga fora gavetas do RH e papéis que podem ser respostas à Justiça. Vez ou outra, militares que atuaram contra as guerrilhas pedem e ganham promoções e medalhas a partir de folhas de alteração (históricos da carreira). Mas os arquivos se tornaram lendas, desconhecidos ou tratados de forma genérica pela opinião pública.

Assim como outras mulheres, Eunice Paiva, a personagem de Fernanda Torres, morreu sem receber o corpo do marido. Ao contar a história da família de um torturado sem ligações com a luta armada, num roteiro moderado e sensível, o filme de Salles levanta ainda a reflexão sobre o real poder do Executivo e do Judiciário após o 8 de Janeiro, na linha de que militares não estão acima de civis —e, em especial, do direito de alguém enterrar um parente.

A propósito, passou despercebida decisão de Donald Trump capaz de causar saia justa a governos progressistas que mantêm arquivos históricos fechados. O presidente republicano disse que quebrará o sigilo sobre dois momentos emblemáticos dos Estados Unidos: os assassinatos de John Kennedy e Martin Luther King. Não resta nem a ideologia como argumento.

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Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.



Fonte ==> Folha SP

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